Israel fechou a torneira da água à cidade de sonho dos palestinianos

Finaciada pelo Qatar e construída por um empresário palestino-americano, “Rawabi é um símbolo de esperança e de capacidade” dos palestinianos. Está pronta a ser habitada mas continua deserta.

Foto
O empresário palestino-americano Bashar Masri planeou uma cidade secular para 40 mil pessoas THE WASHINGTON POST

O projecto multi-milionário de cinco anos para construir uma nova cidade para a classe média palestiniana numa colina da Cisjordânia preparava-se para receber os primeiros residentes quando o Governo isrealita decidiu, neste mês, reter uma necessidade básica: a água corrente.

Antes de garantir o fornecimento de água à nova cidade de Rawabi, Israel – que controla a zona por onde a conduta de água passa – quer que os responsáveis da Autoridade Palestiniana voltem aos trabalhos do Comité Conjunto Israelo-Palestiniano para a Água. Os palestinianos abandonaram o grupo em 2010 por não quererem aprovar projectos de fornecimento de água a colonatos israelitas na Cisjordânia ocupada, construídos em terras que os palestinianos querem para o seu futuro estado e que recebem bastante água.

A crise da água em Rawabi, provocada pelo homem e não por causas naturais, representa um duro golpe para a classe média palestiniana, que esperava usufruir do centro comercial ao ar livre da cidade, dos seus restaurantes, lojas, ginásio, piscina, cinema e rede escolar.

Há já um ano que os construtores estavam preparados para entregar as chaves a 450 compradores, mas a autorização para ligarem a água estancou, um atraso que se previa que fosse temporário mas que agora parece infinito. Os apartamentos concluídos permanecem desabitados, e o anfiteatro com capacidade para 12 mil pessoas está vazio; uma equipa de construção reduzida continua a trabalhar com um orçamento igualmente reduzido.

Bashar Masri, o empresário palestino-americano por detrás do projecto Rawabi, diz que perdeu 25 milhões de dólares em lucros com este atraso, e que tem mais 75 milhões congelados até que as casas sejam entregues.

O projecto recebeu centenas de milhões de dólares de financiamento do Qatar, mas agora Masri diz que está a gastar os seus próprios fundos e a cortar nos custos – despediu 2200 operários, engenheiros e funcionários.

“Estamos à beira da bancarrota”, disse Masri numa conversa na sua casa em Rawabi. "O projecto ficou financeiramente arrasado por causa disto”.

A retenção da água é um enorme revés para o que era o maior, e há que diga o mais importante, projecto de desenvolvimento da Cisjordânia. Milhares de visitantes, incluindo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e o secretário de Estado americano, John Kerry, estiveram em Rawabi quando Masri anunciou cada fase do projecto. A revista Time chamou-lhe a “cidade cintilante sobre a colina”.

O projecto recebeu cinco milhões de dólares da agência norte-americana para o Desenvolvimento Internacional para estradas e muros de retenção.

Agora, surgem críticas de ambos os lados, o israelita e o palestiniano.

“Não há forma de explicar a razão para Israel ter retido a água”, escreveu o Yedioth Ahronoth, um dos jornais de maior circulação em Israel. Rawabi “é uma zona burguesa, desmilitarizada, livre da política”.

O Presidente israelita, Reuven Rivlin, pediu aos responsáveis israelitas para ligarem a água, “Devíamos dar-lhes assistência no fornecimento de água”, disse na semana passada numa conferência sobre democracia em Telavive. “Não damos água aos colonos?”, perguntou. Rivlin, que no passado se opôs à criação de um estado palestiniano soberano, disse que a existência de “Rawabi é do interesse de Israel”.

A questão parecia estar resolvida em Janeiro, quando o general israelita Yoav Mordechai, coordenador das actividades do Governo de Telavive nos Territórios, enviou a Masri uma carta dizendo que aprovara o fornecimento de água. Mas a implementação da decisão foi travada por Silvan Shalom, o ministro israelita das Infraestruturas, Energia e Recursos Hídricos, que foi pressionado pelos colonos que se opõem à existência de Rawabi. Shalom disse num comunicado que “ultrapassar” o Comité da Água israelo-palestiniano poderia “comprometer as fundações” desse mesmo organismo, pondo em causa a “cooperação, que é crucial para a preservação dos recursos hídricos”.

“Os palestinianos não reconhecem a legalidade dos colonatos”, disse Ihab Barghothi, consultor do ministro palestiniano da água. Sublinhou que os novos projectos para fazer chegar água aos colonatos não dependem do que diz o comité, que foi criado em 1995 pelos acordos de paz de Oslo. “Eles partem do princípio errado de que se os palestinianos aprovarem projectos ligados aos colonatos estão a legitimá-los”, disse Barghothi.

As Nações Unidas e muitos governos consideram a existência dos colonatos uma violação do Direito Internacional. A ONU considerou os colonatos “ilegítimos” e a sua contínua construção um obstáculo à paz. Os israelitas contestam esta posição e dizem ter todo o direito de construir na Cisjordânia.

Desde o início, os israelitas conservadores opuseram-se a Rawabi, que deveria ter 40 mil residentes em seis mil apartamentos. Os activistas começara a pressionar Shalom no Outono, depois da guerra de Israel contra o Hamas, que construiu túneis e lançou rockets a partir da Faixa de Gaza.

“Cidade financiada pelo Qatar nasce em Israel; alguém quer mais túneis?”, lia-se em Setembro no jornal pró-colonatos Arutz Sheva; o jornal dizia que os colonos judeus de Ateret, perto de Rawabi, “serão um alvo mais fácil” do que Telavive.

O artigo dizia que estava em circulação um abaixo-assinado do Mattot Arim, um grupo de direita, avisando os líderes isarelitas que se dessem o seu apoio aos colonos da Cisjordânia, estes saberiam recompensá-los. O jornal publicou o email de Shalom para que os seus leitores pudessem “fazer chegar-lhe as suas preocupações”.

Uma das compradoras palestinianos, Amal Kaabi, de 43 anos, agente de seguros em Ramallah, disse que a sua família (marido e quatro filhos) já planeou duas vezes a mudança para a casa nova em Rawabi. “Eles estão a fazer jogo duro, mas no final vai correr tudo bem. É uma cidade nova e bonita e os israelitas vão ter inveja de nós”, disse.

Masri, licenciado pela Virginia Tech, viveu 25 anos na zona de Washington, onde lançou a sua carreira de empreiteiro com projectos em Marrocos, na Jordânia e no Egipto. Começou a construir Rawabi em 2010, quando vivia em Ramallah. “As pessoas acharam que estávamos a sonhar”, diz. Masri planeou uma cidade secular para 40 mil pessoas, com bares que servem álcool e três mil empregos permanentes, incluindo num centro de alta tecnologia onde os palestinianos poderiam trabalhar para empresas como a Microsoft e a Google. “Para a maior parte dos palestinianos, Rawabi é um símbolo de esperança e de capacidade”, diz. “Estamos a falar de construir uma nação”.

Quando Mordechai aprovou o fornecimento de água, em Janeiro, Masri publicou a notícia na revista do empreendimento, a Rawabi Home – “Finalmente, o problema da água foi resolvido” –, e começou a informar os compradores dos 639 apartamentos prontos.

Num destes dias, Masri folheou as páginas desse artigo: “Rawabi vai encher-se de vida quando centenas de famílias se mudarem para as casas dos seus sonhos, há muito adiados”, dizia o texto. “Ainda estamos optimistas e determinados”, diz agora. “Rawabi está aqui para ficar”.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

Sugerir correcção
Ler 50 comentários