Forças Armadas da Venezuela avisam que não vão permitir um golpe de Estado

Líder dos protestos, Leopoldo López, entregou-se à polícia. Parlamento suspendeu sessão.

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O beijo entre Leopoldo Lopez e a mulher, antes de se entregar à polícia, foi registado pelos jornalistas LEO RAMIREZ/AFP

As Forças Armadas da Venezuela emitiram esta terça-feira um comunicado em que afirmam que não vão permitir um golpe de Estado no país. “O Presidente da República, Nicolás Maduro, e as Forças Armadas estão a trabalhar unidos e não permitirão que se repita a história de 11 de Abril de 2002. Recordamos Bolívar: Unidade, unidade, unidade ou a anarquia devora-nos”.

O comunicado foi lido na televisão pública pela ministra da Defesa, Carmen Meléndes, que usava uniforme militar. No texto, as Forças Armadas manifestam o seu “total respeito pela Constituição e pelas leis da República que em momento algum contemplam a tomada do poder político sem ser por via eleitoral”. 

Pouco antes desta tomada de posição, a polícia deteve, nas ruas de Caracas, o líder do movimento de desobediência civil que, desde há duas semanas, mobiliza muitos milhares de venezuelanos nas ruas. Leopoldo López, que encabeçava a gigantesca manifestação contra o chavismo na praça Brión, na verdade entregou-se à guarda civil — o Governo do Presidente Nicolás Maduro tinha emitido um mandato de captura em seu nome e pedira-lhe para se render sem criar problemas. As televisões filmaram o momento em que, ao entrar para o carro da polícia, gritou “esta é uma luta pela Venezuela” e registaram a despedida da sua mulher, que permaneceu na manifestação enquanto o marido era levado.

López foi acusado de incitamento à violência e pode ser acusado pela morte de quatro pessoas no dia 12 de Fevereiro — três manifestantes anti-chavistas e um pró-regime, todos devido a ferimentos de balas. “É notória a violência com que este grupo de pessoas tem actuado, chegando a causar a morte de algumas pessoas, o ferimento de outras e a destruição de bens da nação e de propriedade privada”, dizia o comunicado das Forças Armadas. 

Mas Maduro, entretanto, demitiu o chefe da polícia política, a Sebin, Manuel Bernal Martínez, depois da difusão de um vídeo gravado pelo jornal Ultimas Noticias que mostra funcionários da Sebin a disparar no dia 12 contra os manifestantes. 

O dia 11 de Abril de 2002 a que os militares se referiam como uma data que não querem ver repetida, foi o dia do golpe falhado contra Hugo Chávez, o militar que também tentou chegar ao poder via golpe. A 4 de fevereiro de 1992, o então tenente-coronel Hugo Chávez e mais 300 homens, tentou derrubar o Presidente Carlos Andrés Pérez. Não conseguiu, mas o aparato catapultou-o para a cena política, acabando por ser eleito Presidente e inaugurando uma república bolivariana — socialismo do século XXI, chamava-lhe Chávez, que morreu de cancro em Março de 2013. Nicolás Maduro, o seu “herdeiro” designado, ganhou as presidenciais que se seguiram.

A morte de Chávez agravou a crise económica e social que já se vivia na Venezuela, um país onde a escassez de bens, a fraca produtividade das empresas, a inflação altíssima e galopante, o apertar dos limites à liberdade de expressão e a desvalorização da moeda abriram uma ferida social que Leopoldo López tenta capitalizar através deste movimento de desobediência civil que teve a adesão de uma importante fatia da população e dos movimentos estudantis.

Perante uma vaga de contestação inédita e que parece imparável, a ministra da Defesa anunciou que parte das Forças Armadas foram mobilizadas para as ruas. “Vimo-nos obrigados a usar parte das nossas forças, forças legítimas do Estado, e vamos continuar a fazê-lo em defesa das leis e em respeito pelos direitos humanos”. A ministra acabou a sua intervenção dizendo “Chávez vive e a luta continua”.

O Governo — que mobilizou também os seus apoiantes para esta terça-feira — acusa a oposição de ser repsonsável pelos problemas que a Venezuela enfrenta e fala em "sabotagem". A equipa de Nicolás Maduro diz que o país enfrenta uma guerra organizada a partir do exterior cujo objectivo é derrubar o chavismo, e acusa os Estados Unidos de estarem por trás dela. “A alegação de que os Estados Unidos estão a ajudar os organziadores dos protestos na Venezuela são falsas”, disse a porta-voz do Departamentro de Estado, Jan Psaki, depois de Caracas ter expulso três diplomatas americanos.

A meio da tarde, os manifestantes anti-chavismo continuavam a ocupar a praça Brión — perto da freguesia de Ramón Muchacho, um membro da oposição — e a avenida do Libertador, numa zona tutelada por um “oficialista”, Jorge Rodríguez. O aparato policial e militar foi engrossando ao longo do dia, havendo relatos no jornal venezuerlano El Universal de colunas de polícia motorizada a investirem contra os manifestantes, tentando separá-los e intimidá-los.
Os tanques da Guarda Nacional percorriam outras ruas onde não havia protestos ou manifestações de apoio ao Governo. Noutras cidades havia protestos e cenários policiais idênticos.

“Amanhã vamos ter surpresas”, dissera na segunda-feira o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello (oficalista), no programa que tem na televisão pública. Houve, de facto, uma surpesa: a sessão parlamentar foi suspensa depois do almoço devido ao que se passava nas ruas e não era certo que a Assembleia Nacional reabrisse na quarta-feira.

 

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