Falluja, a cidade rebelde que Maliki não desistiu de esmagar

Ofensiva várias vezes anunciada contra jihadistas deu lugar a um perigoso impasse que reacende o sectarismo no Iraque.

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Manifestantes em Falluja Thaier Al-Sudani/Reuters

Em Falluja não se vota nesta quarta-feira. Da cidade, cercada e bombardeada há quatro meses pelo Exército, fugiram todos os que conseguiram e o governo, que por várias vezes anunciou estar iminente uma ofensiva para aniquilar os jihadistas ali instalados, conseguiu apenas ter urnas de voto nas aldeias nos arredores. Dez anos depois das sangrentas batalhas com as forças americanas, a rebelde cidade sunita volta a ser o espelho da voragem da violência instalada no Iraque.

A narrativa de Bagdad e do primeiro-ministro Nuri al-Maliki é a de que, mais cedo do que tarde, os militares vão entrar na cidade e esmagar sem piedade as forças da Al-Qaeda que, com o apoio de países rivais, regressaram ao Iraque para ameaçar a integridade nacional. “Enfrentamos um grande desafio […] mas se vencermos estes terroristas, poderemos dizer com confiança que esta foi a última crise sectária no Iraque”, disse Ali al-Musawi, porta-voz de Maliki, ao Christian Science Monitor.

As notícias que chegam do terreno (os jornalistas estrangeiros estão impedidos de se aproximar das zonas de combate) contam uma história diferente. Falam de pelo menos mil soldados mortos nos combates em redor de Falluja e Ramadi, as duas principais cidades da província de Anbar, tomadas no início de Janeiro pelas forças do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIS, na sigla em inglês), grupo jihadista que se diz filiado na Al-Qaeda e ganhou força na guerra da Síria.

Milhares de outros soldados desertaram, muitos apenas por terem fome ou não terem como combater o inimigo – pouco habituado à movimentação de tropas, o novo Exército iraquiano não domina a logística necessária a uma operação desta envergadura, dizem os peritos. “Fomos deixados pelos comandantes nestas casas desertas no meio de pomares, sem munições ou sequer binóculos”, disse à Reuters um soldado enviado para Ramadi, explicando que dos 750 soldados do seu batalhão apenas 120 ainda não fugiram.

Diplomatas e responsáveis iraquianos contaram ao Monitor que Maliki foi dissuadido pelos americanos de lançar uma ofensiva em larga escala quando o ISIS tomou as duas cidades, por receio de que um ataque reacendesse o conflito sectário que em 2007 aproximou o Iraque do abismo. Se em Ramadi a estratégia permitiu que as tribos sunitas se aliassem ao Governo para expulsar os radicais do centro da cidade, em Falluja os combates e o cerco puseram em fuga cerca de 80% dos habitantes, que representam a vasta maioria dos 420 mil pessoas deslocadas em Anbar desde o início do ano.

Com Bagdad na mira dos jihadistas (a capital está a menos de uma hora de Falluja), Maliki recorre cada vez mais às milícias xiitas para ajustar contas com a rebelião – as atrocidades que lhes são atribuídas reforçam os receios da minoria sunita, que há muito se diz discriminada pelo Governo e vê nesta ofensiva uma tentativa para a aniquilar, o que acaba por jogar a favor do ISIL.

Num relatório divulgado na véspera das eleições, o International Crisis Group desfia esta dinâmica, ao acusar Maliki de – para desviar atenções das falhas da sua governação e melhorar as suas hipóteses de vitória junto da maioria xiita – ter tratado por igual os jihadistas recém-chegados e as forças locais que se opõem ao seu Governo, cercando a cidade e ignorando as tentativas dos líderes tribais de mediar o conflito. “Os residentes de Falluja não têm em boa conta o ISIS, mas o seu ódio pelo Exército – visto como um instrumento de um regime xiita e sectário, dirigido a partir de Teerão – é maior”, afirma a organização, sublinhando que o “acordo com o diabo” que Falluja fez com o ISIL mantém o Exército à distância, mas dá força ao argumento de Bagdad de que “toda a cidade está sob controlo da Al-Qaeda”.

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