Estabilidade e união na resposta do mundo ao luto na Arábia Saudita

Mensagens dos Estados Unidos e do Irão garantem uma transição pacífica no reino após a morte do rei Abdullah.

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Líderes internacionais vão prestar a sua homenagem nos próximos três dias Faisal Al Nasser/Reuters

O funeral do rei Abdullah foi rápido e discreto, como é costume no reino da Arábia Saudita, e a notícia da sua morte não foi propriamente uma surpresa. O líder político, monarca absoluto e guardião das mesquitas sagradas de Meca e Medina, desapareceu aos 90 anos de idade – mais ano menos ano, a data certa é uma incógnita –, três semanas depois de ter sido internado com uma infecção pulmonar, mas as manifestações de pesar de inúmeros líderes mundiais atestam a importância do principal aliado dos países ocidentais no Médio Oriente.

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não alterou os planos da sua visita à Índia para incluir uma passagem de última hora pela Arábia Saudita, mas a mensagem que deixou no site da Casa Branca é um testemunho da forte aliança que continua a unir os dois países.

"Deu passos ousados para a Iniciativa de Paz Árabe, um legado que irá manter-se para além da sua vida como uma contribuição duradoura para a busca de paz na região. No seu país, a visão do rei Abdullah focou-se na educação do seu povo e num maior diálogo com o mundo."

Os abalos na aliança entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita nos últimos anos – provocados por visões opostas sobre os protestos da Primavera Árabe, o programa nuclear iraniano e a guerra civil na Síria – são suficientes para ocupar páginas e páginas de análises, mas a reacção de Barack Obama, apesar de previsível, garante que nada de fundamental está em risco.

"Como líder, foi sempre sincero e tinha a coragem das suas convicções. Uma dessas convicções era a sua inabalável e apaixonada crença na importância das relações EUA-Arábia Saudita como uma força de estabilidade e segurança no Médio Oriente, mas não só. A proximidade e a força da parceria entre os nossos dois países é uma parte do legado do rei Abdullah", sublinhou o Presidente norte-americano.

Obama não estará presente no momento de prestar as condolências pela morte de Abdullah ao novo rei saudita, Salman, mas nos próximos dias chegará a Riade o seu vice-presidente, Joe Biden, que enviou uma mensagem ainda mais pessoal: "A Jill e eu ficámos tristes com a notícia do falecimento do rei Abdullah. Estendemos as nossas condolências à sua família neste momento de perda."

Na mesma mensagem em que anunciou a sua ida à Arábia Saudita, o vice-presidente dos Estados Unidos referiu-se à morte do rei Abdullah como "uma grande perda para o seu país", e elogiou-lhe "a franqueza, o sentido histórico e o orgulho nos seus esforços para levar o país para a frente".

A amizade entre Washington e Riade, forjada nos últimos tempos de vida do antigo Presidente norte-americano Franklin Roosevelt, em 1945, começou por assentar numa troca de segurança por petróleo, mas foi evoluindo até chegar a um ponto crucial para o equilíbrio de poder em todo o Médio Oriente – nem as mais recentes desavenças políticas e estratégicas, nem a infame reputação do reino saudita em relação à defesa dos direitos humanos são suficientes para abrir brechas na aliança.

Apesar de tudo, a morte de Abdullah surge num momento de grande incerteza na região, com a Arábia Saudita a agir em várias frentes para travar, ao mesmo tempo, os avanços do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, e limitar as tentativas do Irão para se assumir como a outra grande potência regional – um contexto nem sempre favorável à aliança com os Estados Unidos. 

Também por isso se destacou a mensagem de pesar enviada pelo Irão, em nome do seu ministro da Defesa, Mohammad Javad Zarif, que se desloca neste sábado à Arábia Saudita. Já antes, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, tinha divulgado uma curta declaração: "As minhas condolências ao Governo saudita, à nação e à família sauditas pelo falecimento do rei Abdullah bin Abdulaziz al Saud, rei da Arábia Saudita. Desejo um descanso pacífico ao falecido rei, paciência à sua família e sucesso para o povo e o Governo da Arábia Saudita."

Apesar de ser considerado um reformista para os padrões sauditas, o rei Abdullah deixou a estrutura de poder intacta, e a Arábia Saudita mantém-se como um dos mais repressivos países do mundo, onde as mulheres são presas por conduzirem, os partidos políticos são proibidos, a mínima dissidência é punida com penas de prisão e os castigos e execuções em público são uma prática corrente, de que o blogger Raif Badawi, condenado a 1000 chicotadas e a dez anos de prisão, é o caso mais recente e mediático.

Num primeiro discurso ao país, o novo monarca, tido como menos interessado em reformas e mais próximo da ultraconservadora liderança religiosa, assegurou que manterá a linha dos seus antecessores. "Permaneceremos, com o apoio de Alá, no caminho seguro que este Estado segue desde a sua criação pelo rei Abdulaziz e pelos seus filhos depois dele", disse Salman numa intervenção em que prometeu manter o país a salvo de qualquer ameaça e apelou à união das nações árabes e muçulmanas.

A notícia da morte do rei Abdullah foi avançada na madrugada de sexta-feira (22h de quinta-feira em Portugal continental), e poucas horas depois, na tarde de sexta-feira, as cerimónias fúnebres já estavam concluídas.

De manhã, durante as orações fúnebres na mesquita Imam Turki bin Abdullah, os líderes dos Estados do Golfo receberam a companhia do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, do primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif, do Presidente sudanês, Omar Hassan al-Bashir, e do primeiro-ministro egípcio, Ibrahim Mehleb.

No funeral estiveram o rei do Bahrein, Hamad Bin Isa Al-Khalifa; o emir do Qatar, Tamim Bin Hamad Al-Thani; uma delegação ao mais alto nível dos Emirados Árabes Unidos; e o emir do Kuwait, Sabah Al-Ahmad Al--Sabah.

Foi um funeral sem pompa nem circunstância, em linha com a forma austera do islão praticada na Arábia Saudita, muito diferente dos tradicionais cortejos e manifestações públicas de dor quando morre um monarca europeu, e em contraste com a opulência que rodeava o rei Abdullah em vida.

Com uma fortuna pessoal avaliada em 18 mil milhões de dólares (mais de 15 mil milhões de euros) – o que fazia dele o terceiro chefe de Estado mais rico do mundo, a seguir ao rei da Tailândia e ao sultão do Brunei –, Abdullah foi sepultado numa campa anónima, o corpo embrulhado numa simples mortalha, perante o profundo mas contido pesar dos seus súbditos, como se espera do luto islâmico.

O período de luto vai durar três dias e as bandeiras vão ser colocadas a meia-haste, mas as portas do comércio não fecham por causa da morte do rei. Apesar de as manifestações exuberantes de pesar serem censuradas, dezenas de milhares de súbditos sauditas e representantes internacionais vão poder prestar as suas homenagens durante os dias de luto, no palácio real, perante o novo rei Salman – as mulheres e as filhas do rei recebem as visitantes femininas nos seus palácios.

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