El Aaiún festejou o regresso de Aminatu

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Mohamed, o filho de 13 anos da activista sarauí, à porta de casa REUTERS

As ruas encheram-se, a sua casa, no bairro de Bir Jdid, em El Aaiún, no Sara Ocidental, também. Aminatu Haidar já beijou os filhos e a mãe. Já "ingeriu soro", o estômago "recusou os primeiros alimentos", mas "está a melhorar", disse-nos Teresa Guzmán, enfermeira e mulher de Domingo Guzmán, o médico que acompanhou a activista no regresso.

Dissera que não a dobrariam. Dobrou ela um regime que ninguém parecia capaz de dobrar. "Ter conseguido regressar ao meu país é um motivo de orgulho e uma vitória para o povo sarauí, para a sociedade civil espanhola e para todas as pessoas nobres, conscientes e livres que me apoiaram. Representa um triunfo para a justiça no mundo", disse a activista, de 42 anos, numa entrevista à enviada do Público espanhol ao Sara.

Haidar foi expulsa por Marrocos para Lanzarote depois de aterrar vinda dos Estados Unidos, onde recebera mais um prémio. Soma quase dez, incluindo um do Centro Kennedy para os Direitos Humanos, e uma nomeação para o Nobel da Paz.

Sem passaporte, foi enviada a 14 de Novembro para o aeroporto da ilha espanhola com o conhecimento de Madrid. Horas depois, tentava embarcar num voo para El Aaiún. Impedida, iniciou uma greve de fome, a água e açúcar, que havia de durar 32 dias.

T-shirts de Che

Marrocos parecia inabalável. Dela e da Plataforma de Apoio a Anminatu disse que eram "enviados a soldo da Argélia", país que apoia a Frente Polisário, movimento que até 1991 travou uma guerra com o Exército marroquino. A Plataforma que a rodeava em Lanzarote era formada por defensores de sempre do direito à independência do Sara, mas também por activistas que só o começaram a ser quando descobriram que na sua ilha estava uma mulher que deixara de comer para poder voltar a casa.

"Ela tem perfil de líder. É muito con-centrada, muito coerente, muito atenta", disse-nos no dia 7 de Dezembro Edi Escobar, jornalista andaluza e assistente pessoal de Haidar durante toda a greve de fome. Se a Aminatu "vencer esta batalha é como se passasse a ser possível enfrentar e vencer as injustiças", disse-nos no mesmo dia Fernando Peraita, outro porta-voz, um dos muitos que não arredaram pé do aeroporto de Lanzarote até ontem.

O avião com equipamento médico que a transportou para El Aaiún levantou às 22h23 de quinta-feira. Em terra abriram-se garrafas de champanhe. Os sarauís de Lanzarote subiram para o telheiro do parque de estacionamento dos autocarros onde Haidar passou quatro semanas. Mas os activistas ainda passaram a noite por ali, disse-nos ao telefone Peraita. Haidar pedira-lhes que mantivessem o quartel-general montado, não fosse o regresso resultar numa nova tragédia.

Desta vez não aconteceu nada. Não lhe foi pedido que preenchesse nenhum documento de desembarque. Foi isso que justificou, para Rabat, a expulsão de Novembro: Haidar deixou em branco a linha destinada à nacionalidade e escreveu "Sara Ocidental" em vez de "Marrocos" na da morada. Foi detida e interrogada por 24 horas. Seguiu-se Lanzarote.

Marrocos dizia que ela tinha de pedir desculpas ao rei. Que se veriam em breve T-shirts "ao estilo das de Che" daquela a quem sarauís e activistas espanhóis chamam "a Gandhi sarauí".

Os bairros na rua

A festa em Lanzarote foi pouca comparada com a festa de El Aaiún. "A noite foi verdadeiramente gloriosa. A Aminatu foi recebida por muitos, muitos sarauís. Ficou muito encorajada. Fomos todos esperá-la perto de casa. A imprensa espanhola pôde registar toda esta festa e desmentir o que dizem as autoridades, que a Aminatu não tem seguidores, apoiantes. O seu regresso foi uma vitória da justiça, dos direitos humanos, de todos os sarauís", disse-nos ao telefone uma outra activista sarauí, Galia Djimi, que passara a noite em casa de Haidar.

A imprensa espanhola explicou que Marrocos conseguiu adiar o registo dos jornalistas, mas não impedi-lo. A polícia antimotim tomou conta das ruas: "os vizinhos do bairro [de Aminatu] responderam com pedradas", escreveu o Público de Madrid. "O objectivo ficou claro: impedir a celebração e, acima de tudo, a passagem dos jornalistas para evitar que relatassem a alegria popular e a repressão que se seguiu aos gritos, às mulheres que ululavam e às buzinas dos carros que não pararam de soar", descreveu Trinidad Deiros, enviada do diário.

Nem isso Rabat conseguiu. "Todos os bairros saíram à rua, repetindo "vitória". É uma vitória que a população sarauí ainda está a cantar. A polícia fez o que pôde para dispersar as pessoas", disse-nos Bashir Azman, ex-companheiro de prisão de Haidar.

Segundo o relato do jornal espanhol, um repórter do diário canário La Provincia precisou de levar pontos numa orelha, depois de ser atingido por uma pedra no meio da confusão. No hospital, a enviada viu um jovem de 23 anos com um braço fracturado em dois sítios, "com sinais evidentes de que tinha sido espancado".

"Com o tratamento a Haidar, Marrocos enfraqueceu a credibilidade das suas propostas sobre a autonomia do Sara Ocidental", ex-colónia espanhola de que Marrocos se apoderou em 1975, escreveu o El País. "Marrocos cedeu à pressão de Espanha, da Europa e dos EUA. Aceitou o seu regresso depois de se ter colocado entre a espada e a parede, ao assegurar que não o permitiria", disse à Reuters Ali Anzula, do diário Ali Jarida al Oula. Haidar regressou, acrescenta a agência, "desfazendo uma birra diplomática entre Espanha e Marrocos e fortalecendo a campanha dos separatistas."

Haidar já só queria mesmo ver os filhos. Durante a greve, disse-nos numa entrevista há uma semana, eram os telefonemas para Mohammed, de 13 anos, e o seu choro o que mais a atormentava. O reencontro, contou ao Público espanhol, "foi muito emocionante, quando o carro se aproximava da casa, o pequeno Mohammed desatou a correr e subiu para o carro em andamento, o que me assustou muito". A filha é Hayat, de 15 anos.

Segundo nos disse no último domingo, depois de regressar e de se recuperar, vai seguir "a via pacífica de resistência" e multiplicar "os esforços para que Marrocos conceda à população civil sarauí os seus direitos elementares".

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