E, de repente, um pró-europeu é favorito nas eleições holandesas

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O trabalhista Diederik Samson (à direita) num debate com o primeiro-ministro Mark Rutte Robin Utrecht/AFP

A campanha foi dominada por um tom de eurocepticismo. Ninguém arrisca fazer previsões para a votação de hoje, mas os dois maiores partidos parecem condenados a um acordo.

A campanha das eleições holandesas tem sido uma montanha-russa: primeiro, previa-se que o Partido Socialista, de esquerda radical, pudesse vencer as eleições, e os media debruçavam-se sobre o partido, que tem como símbolo um tomate. Uma semana antes das eleições, admitia-se que o actual primeiro-ministro Mark Rutte, liberal e um dos grandes defensores da austeridade na Europa, vencesse a votação. Mas no fim-de-semana, o trabalhista Diederik Samson, que chegou a estar em terceiro lugar nas sondagens, político pró-europeu numa campanha dominada pelo eurocepticismo, surgiu empatado com o primeiro-ministro nas sondagens.

Ninguém arriscava prever um resultado para as eleições de hoje: a última sondagem mostrava 40% de indecisos. Mas Samson vinha a conquistar eleitores e analistas políticos (há um tom indisfarçável de admiração) com a sua prestação nos debates.

Há quem lembre o seu passado como vencedor de concursos de cultura geral na televisão para explicar a boa prestação, mas ainda assim foi uma surpresa como apareceu com a possibilidade de conseguir 35 deputados, o mesmo número de lugares do partido do primeiro-ministro.

Samson, líder recente do Partido Trabalhista (um partido social-democrata, ou seja centro-esquerda) pareceu vencer à direita e à esquerda: debateu com o primeiro-ministro, considerado um dos grandes mestres da arte, e venceu. Surgiu como potencial chefe de Governo, ao contrário do líder dos socialistas, Emile Roemer, que nos debates não conseguiu que a sua imagem de "pessoa comum" apagasse o facto de não dominar os dossiers.

O que quer isto dizer? Quer vençam os trabalhistas, quer vençam os liberais, o mais provável é uma coligação com os dois principais partidos do centro, apoiados por partidos mais pequenos (vão a votos 21 partidos; 11 devem conseguir eleger deputados).

Isto apesar de nenhum dos dois partidos ter colocado publicamente a hipótese de coligação, e de os dois terem posições diferentes em pontos importantes: um é a necessidade de medidas de austeridade na Holanda (Rutte defende cortes, Samson quer investimento). Mas trabalhistas e liberais estiveram já juntos num governo de 1994 a 2002. Seguiu-se uma década com cinco eleições (o país-símbolo da instabilidade política, a Itália, teve apenas duas).

O que é irónico é que quem precipitou estas eleições, Geert Wilders, o político populista anti-islão que se transformou em eurocéptico, deverá sair prejudicado. O Partido da Liberdade de Wilders apoiava o Governo minoritário de Rutte sem participar nele, e decidiu chumbar cortes do sector público destinados a "cumprir os diktats da UE". Mas onde Wilders esperava ser reconhecido pela "coragem", muitos eleitores viram "irresponsabilidade".

UE menos importante

Hans Vollaard, professor de Ciência Política da Universidade de Leiden, sublinhou ao PÚBLICO, por telefone, que apenas 10% dos eleitores disseram que iam basear a sua decisão com base nas políticas europeias dos partidos. Mais atenção é dada à economia (o desemprego está em 6,5%, um dos mais baixos da UE, mas ainda assim alto para os padrões locais), ao sistema de saúde (discutem-se alterações às coberturas dos seguros) e à protecção social (o aumento da idade da reforma de 65 para 67 anos, por exemplo).

Mais: Vollaard nota que a retórica eurocéptica é usada pelos liberais na sua competição por eleitores do partido de Wilders. Por seu lado, Wilders perdeu eleitorado pelo seu apoio ao Governo, e alguns destes votarão agora nos socialistas. Por outro lado, os socialistas, na sua vontade de chegar ao poder, moderaram algumas posições (deixaram cair por exemplo a sua oposição à NATO) e abriram assim caminho a alguma competição por parte do Partido da Liberdade.

Na prática, Vollaard diz que a maioria dos partidos não age de modo correspondente à sua retórica eurocéptica. "Acham que os eleitores não gostam da Europa, por isso usam esta retórica. Mas também sabem que se não salvarem o euro o efeito económico seria provavelmente drástico. E não querem ser os responsáveis por isso".

Mesmo o partido do primeiro-ministro, que na campanha prometeu não dar mais qualquer verba à Grécia, é "pragmático", garante: "Se for necessário, para os interesses holandeses, dar mais ajuda à Grécia, ele dará." Isso é, no entanto, verdade para a parte económica da União. "Integração política não. Ninguém quer dar mais poder a Bruxelas", assegura o professor. "Mas desde que se apresentem as medidas em termos económicos..." E isto não é difícil. O euro é essencial para a economia holandesa: dois terços das exportações têm como destino outros países da UE.

Um exemplo de quão pró-europeus são os holandeses, diz Vollaard, é uma votação depois já de o Governo ter caído: com o acordo da oposição, foi aprovada no Parlamento a exigência de que no orçamento de 2013 a dívida não exceda os 3% do PIB. Portanto, assegura Vollaard, será sempre possível aprovar no Parlamento medidas relacionadas com o euro, mesmo que não haja ainda um Governo (as últimas negociações para um executivo demoraram mais de 4 meses).

Os outros partidos

Nem só de temas pesados como a economia ou a Europa vivem as eleições holandesas. Há propostas mais ou menos originais, desde acabar com a propriedade privada de terrenos, a partidos "monotemáticos" dedicados aos idosos e aos animais, até proteger o uso "moderado" de drogas.

O Partido dos Pioneiros Soberanos Independentes da Holanda, por exemplo, defende que todo o território holandês seja propriedade da "mãe natureza", que o país abandone a ideia de que é necessário ter um emprego e "dê salários a todos".

Já o Partido para os Animais, que tem dois deputados desde as últimas eleições em Junho de 2010, quer a proibição da pesca desportiva e corridas de pombos-correio.

O partido ultraconservador SGP (dois deputados) quer o fim do trabalho ao domingo, e também que neste dia não se realizem jogos de futebol, para que as pessoas possam ir à igreja (o fim dos jogos de futebol é para libertar os polícias). Já o Partido da Liberdade de Geert Wilders quer "proteger o afrikaans", a língua falada na África do Sul.

Entre os vários partidos que não foram autorizados a concorrer está o partido dos humanos e outros habitantes da terra, que defendia o "uso moderado" de drogas.

As sondagens à boca das urnas serão divulgadas às 21h locais (20h em Lisboa) e às 00h locais (23h em Lisboa) haverá resultados preliminares.

Notícia actualizada às 11h30 com as horas de divulgação de sondagens à boca das urnas e resultados
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