Divisões põem em jogo liderança da Europa na luta contra as alterações climáticas

“Se não houver um acordo em Bruxelas, como iremos convencer os chineses, os norte-americanos ou os países mais pobres?”, perguntou o Presidente francês antes do Conselho Europeu que discutiu a redução das emissões de CO2 e a aposta na energia renovável.

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Pedro Passos Coelho com o homólogo sueco, num Conselho em que Portugal se terá batido pela interligação das redes eléctricas François Lenoir/Reuters

Líderes europeus discutiam ainda na quinta-feira à noite de que forma a União Europeia irá reduzir nos próximos 15 anos as suas emissões de gases com efeito de estufa, que estão a aquecer o planeta. Mas em jogo nesta cimeira marcada por profundas divisões, e que termina nesta sexta-feira, está também outra questão: até que ponto a Europa é capaz de liderar os esforços internacionais de combate às alterações climáticas.

Na carta-convite que enviou aos governos dos 28 Estados-membros para a reunião, o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy foi claro. “É muito importante que a União Europeia mostre liderança antes das negociações internacionais climáticas do próximo ano”, escreveu, referindo-se a uma conferência crucial das Nações Unidas, no final de 2015 em Paris, onde deverá ser acordado um novo tratado contra o aquecimento global.

Ao chegar à capital belga para a cimeira, o Presidente francês, François Hollande, também disse: “Se não houver um acordo em Bruxelas entre os países que estão mais na frente nesta matéria, como iremos convencer os chineses, os norte-americanos ou os países mais pobres?”

Recuperar esta liderança é algo que Bruxelas tem tentado desde que foi posta de lado na falhada cimeira climática de Copenhaga, em 2009. O resultado daquela conferência – um acordo apenas com promessas voluntárias para combater as alterações climáticas – foi selado entre os Estados Unidos e as maiores economias emergentes, à margem do processo negocial formal da ONU e deixando a UE e a sua ambição de mãos a abanar.

Desde então, toda a discussão tem avançado muito mais em torno do que cada país pode fazer, e menos sobre o que todos devem fazer. E o novo tratado climático que as Nações Unidas esperam conseguir em 2015, em Paris, poderá seguir esta linha. Uma das propostas sobre a mesa é a de que cada país se comprometa com um “calendário” para a redução de emissões de CO2, mas sem que o conteúdo deste calendário em si seja vinculativo.

Esta é uma ideia que agrada aos Estados Unidos, onde será virtualmente impossível conseguir que o Congresso ratifique qualquer acordo que imponha reduções obrigatórias para o CO2.

As Nações Unidas querem que, até Março do próximo ano, todos os países coloquem sobre a mesa os esforços que estão dispostos a fazer. E é aí que a UE quer fazer a diferença.

A Comissão Europeia tinha proposto um pacote com três metas centrais até 2030: reduzir as emissões de CO2 em 40%, em relação aos níveis de 1990; melhorar a eficiência energética em 30%; e subir a fasquia das renováveis para 27% da energia consumida.

Os 28 Estados-membros passaram toda a quinta-feira a puxar os vértices deste triângulo, conforme os seus interesses, e até às 23h não havia fumo branco. O Reino Unido não queria metas para a eficiência energética, a Alemanha estava preocupada com a competitividade europeia, a Polónia temia o impacto sobre a sua indústria do carvão, os países mais pobres do Leste exigiam um tratamento diferenciado.

Portugal entrou para a cimeira ameaçando vetar o pacote, caso não fosse aprovado uma meta para interligações na rede eléctrica que permitam ao país exportar electricidade renovável para o resto da Europa. "Se queremos um mercado interno de energia, esse mercado não pode terminar nos Pirinéus", disse o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, em Bruxelas, citado pela agência Lusa. Mas a França, protegendo a sua indústria nuclear, mantinha-se contra.

Se a adopção de metas unilaterais internas vai ou não ser suficiente para recolocar Bruxelas a puxar a locomotiva da agenda climática internacional, aí está um mistério. “Ajuda a UE a ficar na liderança das negociações”, afirma Rita Antunes, da associação ambientalista Quercus. “Mas o que está em cima da mesa é pouco. Seria preciso adoptar metas de 55% nas emissões, 45% nas renováveis e 40% na eficiência energética”, completa.

Bruxelas também deseja deixar as regras do jogo claras internamente para os agentes económicos. Mas nem todos estão contentes, em particular a indústria pesada, que vê a sua competitividade ameaçada perante a imposição de metas mais exigentes do que aquelas a que estão sujeitas as concorrentes chinesas.

As empresas têm-se esforçado por marcar a sua posição neste complicado xadrez de interesses. Um dos protagonistas dos últimos dias foi o presidente executivo da Arcelor Mittal Europe, Aditya Mittal. Num artigo de opinião publicado na terça-feira no Wall Street Journal, com o título “Salvar o Aço Europeu, e o Ambiente também”, o líder do braço europeu do maior grupo siderúrgico mundial assumiu as dores do sector e recordou que estão em jogo 4% do Produto Interno Bruto (PIB) Europeu, 335 mil empregos directos e outros 1,5 milhões empregos indirectos. São razões de sobra para que os líderes europeus tenham em conta as consequências para o sector de se estabelecerem metas ambientais demasiado exigentes, escreve o gestor.

A ArcelorMittal quer “fazer a sua parte na economia de baixo carbono”, mas teme que as metas ambientais que saírem do Conselho Europeu sejam “impossíveis de cumprir”.

Do outro lado da barricada estão empresas como a Acciona, a Coca-Cola, a Ferrovial, a Philips, a Skanska, a Shell, e a Unilever, que pretendiam ver aprovado “um pacote robusto” de metas ambientais e de medidas de segurança energética. Reunidos no grupo de trabalho The Prince of Wales’s Corporate Leaders Group, os líderes de mais de 50 grandes empresas, de vários sectores, têm defendido que as políticas de clima e de segurança energética devem “andar de mãos dadas para garantir às empresas a confiança que necessitam para investir em tecnologias de baixo carbono e efectuar outras reformas amigas do ambiente”.

“O custo de não fazer nada agora será muito maior no futuro”, defende o grupo, que apoia um objectivo de, pelo menos 40% de reduções de emissão gases com efeito de estufa (que pode subir para 50%, se outros países tomarem medidas semelhantes).

Na mesma linha, a confederação europeia de sindicatos ETUC veio ontem sublinhar que “não há emprego, nem justiça social num planeta devastado” e apelou à aprovação de medidas que “combatam com a mesma determinação” o desemprego, o crescimento das desigualdades e as questões ambientais.


Neste Conselho a que já assistiu, como presidente-eleito da Comissão, Jean Claude Juncker, os chefes de Governo europeus decidiram também designar o novo comissário cipriota Christos Stylianides coordenador da UE contra o ébola.

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