Depois das eleições, virão todos os desafios e riscos na Tunísia

País do ano para a Economist, a Tunísia termina neste domingo o processo eleitoral que pode marcar o fim da transição da ditadura e o início de uma democracia estável. Muito depende da atitude do novo Presidente.

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Apoiantes de Beji Caid Essebsi na Avenida Bourguiba, em Tunes FETHI BELAID/AFP

Há quatro anos, Mohamed Bouazizi ainda estava vivo e recebia a visita de Ben Ali no hospital. Tinha-se imolado a 17 de Dezembro e acabaria por morrer a 4 de Janeiro. O acto desesperado do jovem vendedor de rua uniu tunisinos de todas as geografias e classes sociais contra a ditadura. Bastaram 29 dias de revolta para derrubar 23 anos de ditadura. A Tunísia que este domingo escolhe nas urnas o seu chefe de Estado já deu muitos passos na direcção certa, mas nunca mais voltou a estar unida.

Neste domingo encerra-se o processo eleitoral que pode começar marcar o fim da transição. Às eleições parlamentares de Outubro, seguiram-se as presidenciais, com dois candidatos a passarem à segunda volta: Moncef Marzouki (33% na primeira volta), Presidente em exercício (escolhido pela Assembleia eleita no fim de 2011), antigo activista dos direitos humanos; e Béji Caïd Essebsi (39%), veterano político da ditadura que se reinventou para criar uma formação que une antigos caciques do regime a membros da extrema-esquerda e foi a mais votada nas legislativas, o Nidaa Tounès (O Apelo da Tunísia).

Marzouki é líder do Congresso para a República, mas deve grande parte da sua votação aos islamistas moderados do Ennahda (Renascimento) e apresenta-se como garante da revolução. A maioria dos seus votos veio do interior e do Sul. No dia 17, visitou Sidi Bouzid, a cidade esquecida do interior do país onde Bouazizi pegou fogo a si próprio.

O que une os eleitores do Nidaa Tounès, as elites do Norte e da costa Leste, é precisamente o seu anti-islamismo, e se é verdade que Essebsi já disse que “há lugar para todos na Tunísia”, algumas correntes do seu partido defendem a repressão dos islamistas. O mesmo fazem os seus principais apoiantes externos, diz o académico português Álvaro de Vasconcelos, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, países “dispostos a gastar muito dinheiro para combater as revoluções”, tal como fizeram no Egipto, onde apoiaram os militares que derrubaram do poder a Irmandade Muçulmana.

O Ennahda elegeu 69 deputados na Assembleia de Representantes do Povo e os 86 do Nidaa Tounès não lhe permitem governar sem negociar uma coligação. Ao contrário do que estava previsto, o partido vencedor não nomeou um chefe de governo, preferindo esperar pelos resultados das presidenciais.

No país, há quem manobre para um compromisso entre as duas forças políticas. No caso de uma vitória de Essebsi, um acordo que implicasse uma verdadeira divisão do poder passaria por entregar a presidência do Parlamento a um membro do Ennahda, a do governo a um independente e a liderança do Tribunal Constitucional a uma personalidade consensual. É este o compromisso que Álvaro de Vasconcelos diz ser apoiado pela UGTT, a principal central sindical, a organização mais importante para travar a crise de 2013, quando dois políticos de esquerda foram assassinados por radicais salafistas e o Ennahda aceitou entregar o poder a um governo de tecnocratas.

Mas como nota o think tank International Crisis Group num relatório divulgado na sexta-feira, mesmo que as lideranças desejem este acordo terão muitas dificuldades em “vendê-lo às suas bases”. “Um grande número de activistas e simpatizantes do Nidaa votaram por anti-islamismo e opõem-se a este projecto. Por seu lado, a maioria dos militantes do Ennahda rejeitam uma aliança bilateral, que lhes parece um casamento ilícito”, escreve o instituto com sede em Bruxelas.

Fobias e fracturas
“Alguns compromissos são possíveis, mas não ao ponto de dar ao Ennahda posições tão importantes como a liderança da Assembleia. Por definição, o Nidaa não é confiável, os seus líderes manobraram muito antes das presidenciais mas, na realidade, os extremistas de esquerda e os duros do RCD [antigo partido de Ben Ali] vão ficar com tudo”, antecipa, pessimista, o jornalista Mourad Teyeb. Ao mesmo tempo, diz, “pelo menos algumas facções dentro do Ennahda querem dificultar a vida do Nidaa tanto quanto possível e estarão indisponíveis para lhe oferecer ‘soluções’ como uma aliança”.

“A fobia de uma nova ‘conquista de Cartago’ [palácio presidencial] mostra que os princípios de alternância democrática consagrados na Constituição ainda estão longe se ser sinónimo de regras mínimas de confiança e de aceitação do adversário”, escreve o International Crisis Group. Independentemente do resultado das presidenciais, o vencedor deve reconhecer as fracturas existentes e garantir ao perdedor “que os seus medos não vão determinar o futuro”, defende o think tank.

Apesar das fobias, o país onde as revoluções da Primavera Árabe começaram pode ter um final feliz. A revista Economist decidiu escolher a Tunísia como “país do ano”, a “brilhante excepção” ao “derramar de sangue e extremismo” em que se afundaram os outros países das revoltas árabes. “A sua economia está em apuros e a sua política é frágil, mas o pragmatismo e a moderação da Tunísia alimenta a esperança numa região desgraçada e num mundo repleto de perturbações”, justifica a Economist. Depois de todas as eleições, se verá se este voto de confiança se confirma. A prova só chegará em 2015.

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