Cinco ideias para 2014

Questionarmos perante o exterior as nossas instituições e alimentar um debate partidário extremado nessa base não nos conduzirá a parte alguma.

2014 será para Portugal um ano de algumas certezas e muitas incógnitas. Nas certezas contamos, pelo menos, duas. Por um lado, terminará o programa de ajustamento desencadeado pelo pedido de resgate da Primavera de 2011; por outro lado, o país apenas poderá contar com as suas ideias, a sua energia colectiva e a capacidade de gerar actuações consequentes dos seus actores políticos para que se comece pelo menos a entrever o "princípio do fim" do ciclo perverso em que vimos vivendo.

As eleições alemãs deixaram bem claro que não devemos esperar milagres externos de uma inversão súbita das forças liderantes da UE no sentido da criação de novos instrumentos europeus que nos façam sair da armadilha de endividamento em que nos encontramos.

As incógnitas de 2014, em contrapartida, são muitas. Vamos transitar para um segundo resgate ou para um programa de ajustamento? E, no segundo caso, para que tipo de programa de ajustamento? Num universo político feito de soundbites parecemos esquecer facilmente que este programa pode representar quer uma nova apresentação semântica de um segundo resgate, ditada pela conveniência política – interna e externa – de não assumir fracassos, quer uma forma de assistência necessária que possa criar condições equilibradas de real retoma de alguma autonomia no financiamento da economia portuguesa. Uma terceira incógnita cruza-se ainda com essa hipótese do programa cautelar e é de cariz político. Tal eventual programa envolverá novas eleições, ou, pelo menos, uma negociação que envolva o maior partido da oposição, ou é concebível num círculo partidário mais estreito do que o dos partidos que subscreveram o acordo de resgate de 2011? A condicionante desta terceira incógnita política pode tornar erráticos os comportamentos dos agentes partidários e assim diminuir as nossas possibilidades de chegar a um desfecho menos mau nas duas primeiras incógnitas.

Uma vez que a forma como foi executado o programa de ajustamento nos primeiros dois anos da sua vigência não favorece de todo agora consensos partidários, importaria encontrar fórmulas inovadoras para minorar as clivagens partidárias e a nossa consequente incapacidade para gerar uma frente eficaz de negociação das nossas condições de saída do resgate externo. Uma possível fórmula seria a criação de grupos de missão de peritos com composição política pluralista e pluripartidária (congregando peritos independentes de várias tendências políticas com especialistas mantendo ligações a várias forças partidárias) sobre um conjunto de matérias cruciais para a economia portuguesa. Com esse pano de fundo poderíamos identificar cinco ideias ou áreas de reforma a desenvolver em 2014:

– Política de concorrência e de competitividade, seleccionando dois sectores decisivos para a economia portuguesa a serem objecto de escrutínio exaustivo – acompanhado pela Autoridade da Concorrência e pelos Reguladores –, com preparação e adopção de medidas diversas tendentes à sua reestruturação e modificação de estruturas de rendas desses sectores. Proporíamos para esse efeito o sector portuário e o sector da energia;


– Políticas para o sector da Justiça, preparando bases de um compromisso de reforma deste sector baseadas em novas estruturas de carreiras e de avaliação dos magistrados judiciais e em novos modelos de organização e gestão dos tribunais (que não dependem de extensas reformas legislativas):

– Política de controlo orçamental e de reforma e verdadeira requalificação da administração pública, contemplando um programa sustentado a três anos (a apresentar e discutir com os nossos credores institucionais), sendo um grupo de missão a criar neste domínio acompanhado pelo Conselho das Finanças Públicas;


– Nova política industrial, baseada num programa inovador de gestão da próxima geração de fundos estruturais europeus e na sua combinação criativa com o envolvimento do BEI em projectos selectivamente escolhidos pelo seu valor estratégico para a economia portuguesa;


– Políticas fiscais, assentes num grupo de missão com mandato transversal para analisar formas de aplicação de instrumentos já previstos na lei de combate à evasão fiscal, de reajustamento de benefícios fiscais e de análise das condições para iniciar um processo de redução da tributação directa sobre pessoas singulares, decisivo gerar uma nova dinâmica económica.

Condição essencial para o desenvolvimento desta fórmula seria o abandono da querela constitucional em que mergulhámos. Como, de forma insuspeita, o director alemão do Mecanismo Europeu de Estabilidade, Klaus Regling, nos recordou, numa entrevista a um jornal português que passou desapercebida, não se justifica acusar o Tribunal Constitucional Português de activismo político. As decisões deste fazem parte da normalidade institucional, devendo a energia de todos os actores políticos ser orientada para a definição de opções alternativas de reforma do Estado e das estruturas económicas nacionais. Questionarmos perante o exterior as nossas instituições e alimentar um debate partidário extremado nessa base não nos conduzirá a parte alguma. Apenas criará um estatuto de menoridade para o Estado português no seio da UE.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, advogado

geral@lsmadvogados.com
 
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar