Prudente e conservadora, assim segue a campanha eleitoral brasileira

O debate, promovido por bispos, prometia discussão dos temas sensíveis do aborto ou casamento gay, mas os concorrentes à presidência do Brasil não se envolveram em polémica.

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Marina Silva e Dilma Rousseff, as duas candidatas favoritas, durante o debate na basílica de Nossa Senhora da Aparecida REUTERS/Paulo Whitaker

Os três principais candidatos à presidência do Brasil, Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves, têm diligentemente evitado declarações comprometedoras em assuntos sociais e de costumes. Mas não podiam fugir às questões sobre o aborto, o casamento gay ou a despenalização das drogas durante o debate organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no santuário nacional de Nossa Senhora Aparecida e transmitido por 200 rádios e quatro canais televisivos católicos.

No entanto, o capricho da sorte ditou que no sorteio quanto aos destinatários das questões mais polémicas, fossem poupadas tanto a Presidente e candidata a um segundo mandato, Dilma Rousseff, quanto Marina Silva, a missionária evangélica que encabeça a coligação “Unidos pelo Brasil” formada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), muito criticada por ter retirado o apoio ao casamento gay do seu programa eleitoral, um dia após a divulgação do documento.

Já o candidato do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), Aécio Neves, teve de se pronunciar sobre um projecto de criminalização da homofobia, que será debatido no Congresso. “Qualquer discriminação deve ser considerada crime, inclusive a homofobia”, considerou o ex-governador de Minas Gerais, que ainda assim exprimiu reservas quanto à proposta de lei em tramitação em Brasília.

Bem ensaiados pelas respectivas campanhas, os candidatos expuseram-se o menos possível nas suas respostas: a sua postura foi prudente e conservadora, e nas reacções ao debate – medidas através dos comentários em directo nas redes sociais – lamentava-se o carácter “genérico”, a formulação “ambígua”, as ideias “sem criatividade” ou a “ginástica” retórica para não desagradar ou ofender a sensibilidade do eleitorado mais religioso.  Como quando Marina foi instada a falar sobre a juventude, drogas e violência e declarou que “o combate à violência é fundamental para termos meios de combater o tráfico de drogas e armas”, ou Dilma Rousseff assinalou que “um relatório da ONU mostrou que o Brasil saiu do mapa da fome” e disse que “queria também falar sobre agricultura familiar” em resposta à questão: O que vai fazer para combater a desigualdade?

Entre as críticas, distinguiram-se os aplausos a Eduardo Jorge, o candidato dos Verdes, que é médico e “ousou” defender o aborto e a liberalização das drogas leves numa rede de televisão católica – curiosamente, só foi feita uma única pergunta sobre esse assunto, que mobilizou o voto religioso nas presidenciais de 2010. O aborto era um dos seis tópicos de discussão “obrigatórios” do debate – segundo as regras, os candidatos responderiam a questões sugeridas pelos 350 bispos convidados para a plateia, e ainda a perguntas de jornalistas de meios católicos, sobre esse tema e ainda sobre saúde, educação, habitação, reforma agrária e reforma política.

Cada um dos candidatos aproveitou a selecção de temas para escolher o terreno mais propício para desferir ataques aos rivais. Por exemplo, Aécio Neves escolheu as questões sobre a corrupção para “apertar” a Presidente Dilma Rousseff, que segundo disse devia um pedido de desculpas ao país por causa do escândalo que envolve a gestão da Petrobrás. “As denúncias [envolvendo a petrolífera estatal brasileira] fizeram com que o mensalão parecesse coisa pequena”, considerou o tucano.

A Presidente defendeu-se dizendo que sempre teve “tolerância zero” com a corrupção e frisando que “se hoje se descobrem actos ilícitos é porque o Governo investigou” as denúncias sobre a Petrobrás. Mas o contra-ataque veio ainda mais da esquerda, da candidata do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Luciana Genro: “O senhor falando do PT é como o sujo falando do mal lavado. O senhor é tão fanático da corrupção que conseguiu utilizar dinheiro público para construir um aeroporto beneficiando exclusivamente a sua família”, criticou.

Novos números sobre a corrida, divulgados pelo Ibope na terça-feira, mostraram uma ligeira recuperação de Aécio Neves, que conquistou algum terreno à Presidente Dilma Rousseff e a Marina Silva. Mesmo assim, com 19%, o candidato do PSDB mantém-se na terceira posição, eliminado portanto da segunda volta (além disso, o inquérito mostra que Aécio perderia sempre na disputa directa com qualquer uma das candidatas, Dilma, que segue à frente com 36% ou Marina, que tem 30%)

A candidata de última hora Marina Silva, chamada a liderar a “chapa” do PSB após a morte de Eduardo Campos num acidente de avião no arranque da campanha, insistiu na sua mensagem de renovação política e de mudança de paradigma, com “o fim da polarização entre o PT e o PSDB” que têm dividido a governação do país. A Presidente não perdeu a oportunidade para atacar a sua principal adversária, que em 2010 correu pelos Verdes e este ano se aliou aos socialistas por não ter conseguido lançar o seu próprio partido: “Quando os partidos não existem, são os poderosos que mandam por trás da cena, e esse é o caminho para a ditadura, com restrições das liberdades”.

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