Contrariada, Merkel cede ao SPD e anuncia salário mínimo nacional

Medida era um dos requisitos dos sociais-democratas para entrar num Governo de coligação com a CDU. Anúncio deixa caminho aberto para a conclusão do acordo.

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O salário mínimo nunca foi uma das preferências de Merkel Michael Gottschalk/AFP

Um dos maiores obstáculos a um acordo para uma grande coligação de Governo na Alemanha entre os democratas-cristãos da chanceler Angela Merkel e a actual oposição social-democrata foi ultrapassado. Esta quinta-feira, dois meses após as eleições, a chanceler disse que aceitou, embora contrariada, uma proposta do SPD para um salário mínimo nacional.

“Os sociais-democratas não vão concluir as negociações sem um salário mínimo universal”, disse a chanceler em Berlim, numa conferência organizada pelo jornal Süddeutsche Zeitung, que no seu artigo comenta como foi espantoso que a chanceler tenha decidido dar “o maior presente de todos” aos seus opositores e futuros-parceiros numa conferência de empresários.

Merkel não deixou de sublinhar que ao negociar uma coligação o seu partido terá de aceitar medidas com as quais não concorda e que não considera “justas”, e sem dar mais pormenores sobre o salário mínimo, rematou: “Faremos tudo para evitar a perda de emprego”, a principal preocupação e motivo da oposição democrata-cristã, que preferia ver valores salariais mínimos estabelecidos por sector, um aprofundamento do que é feito actualmente em que sindicatos negoceiam valores mínimos com as organizações patronais (embora isto aconteça só em alguns sectores com sindicatos fortes).

A chanceler não falou no valor, mas o jornal parte do princípio de que o anúncio admite o que foi proposto pelos sociais-democratas, 8,5 euros por hora.

Na discussão sobre o salário mínimo durante a campanha para as eleições de Setembro, a imprensa contou histórias de empregos com pagamentos baixíssimos – num escritório trabalhadores ganhavam 1,37 euros por hora, um condutor de serviços de entrega 1,55 euros, um empregado de uma pizzaria 1,59 euros, por exemplo. Muitos dos chamados minijobs, que por definição não podem ultrapassar os 450 euros por mês, qualquer que seja a remuneração por hora, têm habitualmente remunerações inferiores aos 8 euros/hora.

O Governo francês saudou entretanto a decisão da chanceler, considerando-a um "sinal de uma abordagem mais cooperativa das políticas económicas", disse o ministro da Economia, Pierre Moscovici, citado pela AFP.

Os salários menores são mais comuns no Leste, antiga República Democrática da Alemanha (RDA). A nível nacional 12,9% dos assalariados ganham menos do que 8,50 por hora, um número que sobe para 25% no Leste. Na Alemanha é possível ter um complemento de salário para rendimentos muito baixos, o caso de 1317 milhões de pessoas, segundo dados do Gabinete para o Emprego citado pelo Frankfurter Allgemeine Zeitung.

Não há dúvida de que algumas empresas e empregos vão desaparecer: nem todos os cabeleireiros de dez euros conseguirão sobreviver, comenta a imprensa (os cabeleireiros são um dos sectores com conhecida baixa remuneração) assim como outras pequenas empresas assentes em mão de obra muito barata. O Ministério das Finanças estima que poderão desaparecer 1,5 a 1,8 milhões de empregos com um salário mínimo nacional de 8,5 euros, já um estudo feito pela Universidade Livre de Berlim e o Instituto de Investigação Económica (DIW) aponta para 500 mil empregos ameaçados.

Esta já é a segunda medida proposta pelo SPD aceite pela CDU que irrita as empresas – a primeira foi a introdução de uma quota mínima de 30% mulheres nos conselhos de administração.

Serão estas duas concessões suficientes para os sociais-democratas? Merkel já repetiu que não aceitará eurobonds ou qualquer forma de mutualização da dívida dos países do euro, nem um aumento de impostos para quem ganha mais, outras propostas do SPD.

"Fase quente" das negociações
As conversações começaram agora uma “fase quente”, diz a imprensa alemã, e analistas como Carsten Koshmeier, da Universidade Livre de Berlim, duvidam de que seja possível ter um Governo em funções antes do Natal, seguindo o calendário original que previa um acordo até ao final da próxima semana. “Ainda há obstáculos”, nota Koshmeier, numa entrevista telefónica ao PÚBLICO. Koshmeier sublinha que acredita que haja um acordo em Dezembro, mas com a necessidade do SPD o referendar entre os seus 500 mil membros, prevê que a tomada de posse acabe por se atrasar um pouco.

Agora começa uma altura de “muito jogo”, diz o professor de política na Universidade Livre. Os partidos deverão tornar públicas as dificuldades de acordo em algumas questões (a política de energia, dupla cidadania, casamento entre pessoas do mesmo sexo, limites ao endividamento), ameaçar que não recuam, dramatizar. “Têm de convencer a base de que não cederam com facilidade.”

O SPD tem feito bastante uso da necessidade de convencer os seus membros para obter concessões da CDU, especialmente tendo em conta a enorme disparidade do resultado eleitoral, com 40% para os democratas-cristãos e apenas 25% para os sociais-democratas. A revista Der Spiegel criticava esta semana o “teatro do absurdo” das negociações em que a liderança do SPD se menorizava perante a base do partido e a chanceler se menorizava perante os sociais-democratas.

Agora, segundo responsáveis citados no Frankfurter Allgemeine Zeitung, a CDU começa a ameaçar também consultar “a sua base”.


 
 

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