A primeira vitória eleitoral do general Sisi

Referendo constitucional de terça e quarta-feira no Egipto é também uma consulta popular sobre o novo homem forte do país.

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Um apoiante de Sisi na Praça Tharir do Cairo Amr Abdallah Dalsh/Reuters

A divulgação dos resultados do referendo constitucional que termina quarta-feira no Egipto marcará a primeira tomada de posse do general Abdel Fattah al-Sisi. Foi ele que assim o definiu, quando transformou a consulta num referendo à sua pessoa — se o povo quiser, disse, candidata-se às presidenciais. E, mal se candidate, ganha.

"Se ele decidir candidatar-se, toda a corrente nasseriana do Egipto vai apoiá-lo, porque o espírito de Gamal Abdel Nasser vive nele”, disse ao jornal al-Ahram Abdel-Hakim Abdel Nasser, filho do primeiro Presidente do Egipto.

Sisi é, hoje, o homem mais popular do Egipto. Muitos olham-no já como um político, apesar de ser um militar. Não um qualquer. Ele é o militar que derrubou o primeiro Presidente eleito do país, Mohammed Morsi, contestado por metade da população por ter desviado o Egipto da via secular e optado, muito depressa, pelo caminho da islamização de todas as estruturas da sociedade.

Sisi, que há meia dúzia de meses era um desconhecido — para a maioria dos egípcios e seguramente para o resto do mundo —, tornou-se o rosto do regresso do Egipto a uma normalidade desaparecida depois da revolução de 2011, que acabou com os mais de 30 anos de poder de Hosni Mubarak.

Os egípcios, dizem os analistas, querem tranquilidade e prosperidade. Estão cansados do caos político (será o único país do mundo que tem dois antigos presidentes em julgamento, em simultâneo, Mubarak e Morsi), do desastre económico (26% da população vive na pobreza e o desemprego, que vai subindo, está em 14%), da falta de segurança (milhares morreram na guerra entre os islamistas e os seculares e, depois, entre o Exército e os islamistas). Aspiram, novamente, a ter um líder forte que acabe com todos os males.

Sisi tornou-se nesse homem e a sua cara está espalhada pelo Cairo — em posters, bandeiras, panfletos e até embrulhos de chocolates, relatam os jornalistas no Cairo, por exemplo os do El País.

Os egípcios estão habituados a que sejam os militares a dar tranquilidade depois de convulsões — Nasser era militar e Mubarak também. Foram eles que assumiram o controlo do país depois da revolução de 2011, governando através de uma junta militar. E foram eles que aceitaram a ascensão de Sisi quando parte do país se revoltou contra Morsi.

Foi dentro do campo de Morsi que os militares encontraram “o aliado” — Sisi, que se assumia como um homem religioso (chegou a defender testes de virgindade para as mulheres solteiras), era o ministro da Defesa de Morsi e depois do golpe a AFP ouviu fontes que relataram que tentou travar a cavalgada islamista do Presidente, aconselhando-o a não ir tão depressa e a não retirar protagonismo aos poderes judicial e militar.

Na ânsia da procura da tranquilidade, os egípcios — de todos os sectores políticos e sociais, os homens que foram derrotados por Morsi nas presidenciais apoiam-no, os intelectuais também — decidiram apostar nele.

“Se eu me candidatar — disse o general —, será por exigência popular e por exigência do meu Exército.” Sublinhou o “meu exército”, para dizer que está no controlo, mas também para deixar claro que a tradicional influência das Forças Armadas não desaparecerá (outro grande erro de Morsi, que ignorou que os militares sustentaram os 60 anos de regime até à queda de Mubarak; a Constituição em referendo acarinha os militares e até diz que os chefes de Estado têm de ter passado pela instituição, salvo raras excepções).

Al-Sisi explicou que a vontade do povo será medida pelo nível de participação no referendo constitucional, que os islamistas boicotaram com pouco sucesso — banidos, não puderam organizar o boicote devidamente, o que mostrou aos egípcios que a “limpeza” começada com a deposição de Morsi, no Verão, foi bem feita.

O general que ainda não anunciou se é ou não candidato já fez promessas eleitorais: quer que o Egipto volte a ser uma grande democracia e quer que Nasser seja o modelo de governação. O analista Khalil al-Anani, do Middle East Institute de Washington (EUA), disse à televisão Al-Arabiya que, por enquanto, não há qualquer comparação possível entre Sisi e Nasser. “Sisi tem carisma, consegue influenciar as pessoas. Porém, não tem uma ideologia coerente ou um projecto político identificável”, disse.

Reconhece, no entanto, que a popularidade e a imagem nasseriana que o general tem vindo a cultivar podem ajudar a voltar a unir o Egipto — Sisi é odiado pelos islamistas, mas é apoiado por todos os outros, da massa mista que derrubou Mubarak aos que rejeitam a Irmandade Muçulmana. “Com Sisi surgiu uma figura que pode, potencialmente, unificar o sistema político — mesmo que seja de forma autoritária e forçada”, refere Al-Anani.

Aos 59 anos, e tão poucos meses depois de ter “aparecido”, Abdel Fattah al-Sisi prepara-se para ser Presidente do Egipto. Já é ele quem manda e este referendo é a sua primeira vitória eleitoral - só falta a tomada de posse a sério..
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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