A nesga

Hoje Israel acordou já com um novo parlamento, ou knesset, eleito. Poderá ter um novo governo: à hora a que escrevo esta crónica é favorita a coligação liderada pelo partido trabalhista. Isso é em si uma surpresa positiva, num país em que a esquerda já foi dada por acabada várias vezes nos últimos anos. Ainda há pouco tempo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, do partido conservador Likud, pensava controlar de tal forma a situação política que forçou as eleições antecipadas para voltar a ganhar, e ampliar, o “seu” poder.

O que ninguém acredita, contudo, é que Israel acorde mais próximo da paz através de uma solução negociada com o futuro — e cada vez mais urgente — estado da Palestina.

Se Netanyahu conseguir, apesar de tudo, formar governo, é certo que a paz não virá. Se a coligação de centro-esquerda ganhar, terá dificuldades para formar governo com quem queira fazer a paz. O partido da esquerda pacifista Meretz luta para conseguir entrar no parlamento. Uma coligação com a “Lista Conjunta” que une os partidos árabes ao Partido Comunista Israelita, e que está com excelentes resultados nas sondagens, será infelizmente recusada pelos partidos centristas (e provavelmente por outros também) que focam os seus discursos em questões internas e seguem a tendência geral de nem sequer tocar no processo de paz em frente a qualquer eleitor.

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E, no entanto, o mundo segue as eleições israelitas, esperando sem grande esperança por uma boa notícia. A questão é o que fazer com ela.

Como muita gente, torço para que — quando o leitor tiver esta crónica entre mãos — Netanyahu já tenha sido derrotado, que o Meretz tenha conseguido entrar no parlamento, que uma nova maioria no knesset esteja pelo menos predisposta a genuínas negociações de paz. É difícil que tudo isso aconteça em simultâneo. E ainda assim, não chega.

A União Europeia poderia fazer a diferença nas negociações de paz. Primeiro, começando por afastar Tony Blair, o ex-primeiro-ministro britânico transformado em consultor e empresário, do papel de porta-voz para as negociações de paz. Quando ele começou como porta-voz, tinha credibilidade zero por ter defendido a Guerra do Iraque. Agora, tem credibilidade negativa por fazer dinheiro negociando privadamente com governos da região.

Se Netanyahu e Blair estiverem fora de jogo, a União Europeia poderia então começar a testar novas ideias que pudessem trazer uma dinâmica nova ao estagnado diálogo entre israelitas e palestinianos. Já propus, noutra ocasião, que Israel e a Palestina pudessem ser estados candidatos à UE. Mesmo sem ir tão longe, pode sempre propor-se uma maior aproximação que permita a Israel encontrar alternativas para a sua economia, e à Palestina construir um futuro mais próspero para a sua população. O que é importante é que ambos os lados sintam que a paz não é só um ideal distante, mas um benefício tangível no curto prazo.

Com um Médio Oriente em chamas, qualquer resultado concreto é bem-vindo, e também os europeus seriam beneficiados por ele. Talvez seja pedir demasiado à União Europeia, mas se as eleições em Israel permitirem abrir uma nesga, façam o favor de escancarar a porta.
 

 

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