A economia, as políticas e a construção do futuro

A história das ideias, e das sociedades, está cheia de promessas virtuosas de futuro que conduziram a humanidade a alguns dos seus momentos mais difíceis.

Alguns livros, que tivemos a oportunidade de ler, conseguiram mudar as nossas vidas. Outros mudaram a vida de todos, mesmo daqueles que os não leram e que provavelmente talvez nem saibam que algum dia foram escritos. Um conjunto de obras tem esta força.

São livros magnéticos, irresistíveis e mobilizadores, que, pelas ideias que propuseram, mudaram definitivamente a nossa relação com o mundo e as relações no mundo; alteraram a noção de fronteiras e a sua percepção; modificaram a política e os seus valores; reformularam a economia e os seus fundamentos; reformaram a base dos modelos sociais e relacionais e a relevância da cultura e da tecnologia; reviram a relação entre as ciências e o pensamento científico e reinventaram os próprios pressupostos dos modelos de desenvolvimento económico e social.

Entre esse conjunto de obras, destacam-se quatro livros, publicados entre 1991 e 2005, que, para o melhor e para o pior, mudaram o mundo e estiveram na base da construção do que ele é hoje.

Robert Reich, consultor para a área económica no primeiro mandato do Presidente Clinton, escreveu em 1991 o livro The Work of Nations. Preparing Ourselves for 21st Century Capitalism. Este livro – publicado quase duzentos anos depois de The Wealth of the Nations, de Adam Smith – pretendia ser uma carta para o passado, a Adam Smith, sobre o que é que hoje tornaria as nações economicamente bem sucedidas. Reich prognosticava que à medida que a organização territorial dos processos produtivos se fosse repartindo por múltiplas localizações, em diferentes partes do globo, e que as barreiras proteccionistas ao comércio global fossem sendo eliminadas, menos relevante seria o critério da nacionalidade das empresas que operariam em cada economia e em cada mercado – na medida em que elas se espalhariam pelo mundo e levariam consigo a prosperidade económica e social e reduziriam as desigualdades à escala global. Para Reich, os Estados deveriam reduzir ao mínimo os seus domínios de intervenção de modo a não obstaculizarem esse potencial associado à liberdade de repartição e de actuação das empresas pelo mundo.

Manuel Castells, sociólogo catalão da Universidade da Califórnia, Berkeley, escreveu em 1996 The Rise of the Network Society. The Information Age: Economy, Society, and Culture. Este livro descreve a forma como as redes iriam reformular os relacionamentos económicos, sociais e tecnológicos, à escala global, e o modo como as redes e as parcerias libertariam as empresas, as instituições e os territórios da fatalidade da geografia, proporcionando-lhe a oportunidade do relacionamento multiescala com outros pares, localizados em outras geografias.

Don Tappscott, consultor canadiano para a área da estratégia empresarial e das tecnologias de informação, escreveu em 1995 The Digital Economy: Promise and Peril in the Age of Networked Intelligence. Um livro que acrescentaria a componente das tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a aceleração económica e a desregulação que estas iriam propiciar ao mundo, que seria cada vez mais em rede, com menos obstáculos ao comércio, à localização e deslocalização das empresas e à circulação global de capitais.

Thomas Friedman, vencedor do Prémio Pulitzer em 2002, publicou em 2005 The World Is Flat. Esta obra acrescentou à visão de um mundo em rede, cada vez menos regulado e cada vez mais virtual e online, a promessa de que, por via do desenvolvimento das TIC, o significado da geografia, das distâncias e das  localizações contaria cada vez menos, porque o mundo acabaria por ser plano.

Naturalmente que, nos seus livros, estes quatro autores também detalhadamente nos alertaram para os riscos que um tal futuro implicaria para as sociedades, para os Estados, para os cidadãos e para o mundo. Mas muitas organizações internacionais, muitos líderes mundiais e muitos governos nacionais e respectivas políticas públicas e modelos de governação optaram por considerar apenas o lado positivo, e reconhecidamente apelativo e triunfante, destas promessas de mundo novo. E o estado do mundo é, hoje, efectivamente, o resultado da replicação massiva e concertada, um pouco por todo o lado, destas visões de futuro.

Na vida, sabemos, quase nada é definitivo, mas frequentemente as ideias que arriscamos propor ao mundo têm consequências que não acautelámos inteiramente. A história das ideias, e das sociedades, está cheia de promessas virtuosas de futuro que conduziram a humanidade a alguns dos seus momentos mais difíceis.

Professor auxiliar com agregação, Universidade de Évora, Dep. de Economia

  
 
 
 
 
 

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