Porto ganha hoje um novo largo na estação de São Bento

Antigo parque de estacionamento, entre a ala norte da estação e a rua da Madeira está transformado numa praça, aberta ao lazer e à criatividade.

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A praça foi concebida pelo atelier Rodrigo Patrício arquitectos Manuel Roberto
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No interior de um dos armazéns da estação estava a ser montada a exposição Prenúncio Manuel Roberto

Esqueça a imagem que tinha do antigo espaço de estacionamento entre a Rua da Madeira e a estação de São Bento. Ah…não guardava qualquer imagem? Pois... percebe-se. Este era, em linguagem da sociologia urbana e da arquitectura, um pedaço de não-cidade: uma área com um muro de granito, três ou quatro carros parados no exterior do corpo norte da magnífica estação desenhada por Marques da Silva no início do século XX. Que este sábado renasce como uma praça, contígua a antigos armazéns, transformados em pontos de lazer e de criatividade.

Era isto o que prometia o Locomotiva, programa de intervenção cultural/comunitária dinamizado, com a Refer e outros parceiros, pela empresa municipal Porto Lazer: fazer dos armazéns devolutos do corpo Norte da estação de São Bento, e do parque contínuo, uma “porta festiva” para o Porto, uma nova centralidade, que atraísse gente para esta parte algo esquecida da cidade, apesar de tão perto – escassos metros as separam –  dos Aliados, da renovada Rua das Flores e da Ribeira.

À margem de tudo isto, lá em cima, na rampa ingreme a que chamam rua da Madeira, Miguel Guimarães inaugurou há dias um serviço de riquexó de luxo, o Riquetó Tours. Ele puxa pelos turistas cidade abaixo, tal como o Largo da Estação que, por baixo, este sábado se inaugura, pretende puxar por esta parte da cidade. Em frente à sua garagem, profusamente decorada com lustres vintage, uma estrutura de andaimes, rede de galinheiro e 2260 latas de tinta vazias, cria uma escada, acesso alternativo entre a rua por onde passam turistas, e o não-lugar por onde até agora ninguém passava.

No projecto Vira-lata do colectivo Morada Vaga, as latas, naquele metal conhecido como folha de flandres, capaz de reagir à luz do sol, reflectindo-a, estão parcialmente pintadas de amarelo. Permitindo, em cada patamar da escadaria, escrever palavras. “Temos muita lata”, lia-se, ao longe, esta sexta-feira de manhã, enquanto operários e artistas tentavam, apressados, terminar os respectivos trabalhos a tempo da inauguração marcada para as 15h de sábado. Na praça, estava quase pronto o jardim vertical imaginado pela empresa quadrado branco, e a dupla Carlos e Jacinta Costa punha no lugar as suas Desconversadeiras, peças de mobiliário-artístico-urbano, que servem para ver, para sentar ou tocar.

A arte está por todo o lado. Na rua – onde ainda trabalhavam Chiara Sumzogni e Irena Ublër – a partir da convocatória Espigar – e dentro de um dos armazéns da Refer, um espaço de 400 metros quadrados onde Jesse James, co-criador do festival de arte pública Walk & Talk, em São Miguel, faz a curadoria de uma exposição de quatro artistas: Horácio Frutuoso, João Bento, Nuno Pimenta e Tamara Djurovic (aka Hyuro).

Esta última – desenho – e João Bento – arquivo sonoro – foram atrás das pessoas da envolvente, ele para lhes fixar a voz, os ruídos dos espaços onde trabalham e a relação de tudo isto com a estação. Horácio Frutuoso fez uma reflexão sobre o tempo , ou a falta dele, e a relação disto com a ideia de viagem, de pendularidade entre os lugares do quotidiano. Já Nuno Pimenta, explica Jesse James, inspirou-se no túnel de São Bento, espécie de vórtice que nos puxa, do Porto, para outro lugar, periférico.

Foi isto que o açoriano procurou na exposição “Prenúncio”: Um arquivo colectivo sobre esta relação entre o que é central e periférico, o que é local e forasteiro, num lugar, uma estação, que é um lugar de espera por qualquer coisa – um destino para onde se segue, ou alguém que há-de chegar. Ele, forasteiro, bateu, a pé, toda a envolvente. E percebeu que, depois dos processos de despovoamento e de exclusão a que as ruas em volta, morro acima, foram sujeitas, quem lá ficou encontra-se, neste momento, à espera que algo aconteça.

Talvez o que as pessoas da Rua da Madeira ou da Rua do Loureiro esperam não seja esta Locomotiva. Mas ela está ali, para durar não até Junho, como chegou a estar previsto, mas até Setembro, para aproveitar todo o Verão. Ao lado do espaço expositivo, outro armazém vai servir para oficinas de vários projectos e há ainda espaço para um bar, onde o atelier Rodrigo Patrício arquitectos instalou, no tecto, cinco luminárias antigas, de forte efeito cénico, resgatadas de um monte de entulho ali guardado.

Rodrigo Patrício e a sua equipa – Magda Seifert, Sandra Brito, Miki Itabashi – foram os responsáveis pelo layout dos espaços interiores – e do exterior, a tal praça entre o muro da Rua da Madeira e este corpo da estação. Ali, fazendo uso de aglomerado de madeira, andaimes e vigas de ferro, à vista, o atelier criou uma obra que mais parece – porque é isso que pretende parecer e, simbolicamente, ser – um estaleiro de algo em construção, inacabado. Algo que, explicou Patrício ao PÚBLICO, respeita os muros que o delimitam, que assuma o caracter transitório que tem, pois, terminado o Locomotiva, caberá à Refer decidir o que fazer com os armazéns e a envolvente.

 Até lá, o projecto da Porto Lazer puxará por isto. Cláudia Melo, responsável pela programação, recorda que esta vai ser contínua, passando pelos workshops, as exposições de artes plásticas, o teatro, a música. A Locomotiva, co-financiada ainda pelos fundos regionais do ON.2 tentará alargar a sua força criativa a ruas da envolvente, como o Largo de São Domingos (onde nascerá uma instalação dos Like Architects), como já aconteceu numa casa velha no topo da Rua da Madeira, ou na ruína a sul da estação, onde o atelier de arquitectura Fahr 021.3 fez uma intervenção, com recurso a uma estrutura de ferro verde, que chama a atenção para outro naco de cidade que a cidade esqueceu.

Festa começa este sábado às 15

Apesar do ar inacabado da véspera, o largo da estação terá de estar pronto para ser inaugurado este sábado à tarde, pelas 15h, com uma performance do Ballet Teatro, no palco exterior. O presidente da Câmara, Rui Moreira, há de passar por ali uma hora depois, e até às 22h, o espaço, que dispõe de um bar interior, num armazém, e outro na praça, será animado por vários Dj. Às dez da noite é inaugurada a exposição Prenúncio, de Horácio Frutuoso, João Bento, Nuno Pimenta e Tamara Djurovic (aka Hyuro), com curadoria de Jesse James. O programa inclui ainda um concerto, marcado para as 23h, de JP Simões. De madrugada, até às 2h, o palco volta a ser dos DJ.  

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