Polícia Marítima de prevenção às demolições na ilha de Faro, que seguem dentro de momentos

A Sociedade Polis da Ria Formosa tomou posse administrativa de mais de uma centena de habitações de veraneio. O ruído das vozes discordantes, dizem os responsáveis, não é mais do que o esperado

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Rui Gaudêncio

As casas na Península do Ancão (ilha de Faro) vão abaixo a qualquer momento. A Polícia Marítima foi deslocada para o local para garantir a segurança dos funcionários da Sociedade Polis da ria Formosa que nesta quarta-feira procederam à “posse administrativa” das 114 habitações que estão para ser demolidas. No local, o presidente da Polis, Sebastião Teixeira, garantiu ao PÚBLICO que “em breve, seguramente antes do Verão” avança o camartelo. A operação está ser conduzida sem contestação aparente emtora se sinta alguma revolta a reclamar justiça.

Aníbal Pereira sofre de uma doença óssea. A canadiana onde se apoia confere o equilíbrio possível a quem recebeu um enxerto de coluna e ficou com oito vértebras soldadas. A casa de madeira, onde mora há mais de 40 anos, é uma das que está previsto ir abaixo. Quando, em 2009, a Sociedade Polis pediu justificação da existência o prédio, respondeu apresentando os relatórios médicos a recomendar o ar do mar como terapia para o alívio das dores. A casa, com água ligada à rede e electricidade ainda está de pé, mas não será por muito tempo. Durante alguns anos, sublinha, “chamaram-me clandestino ou ilegal,  agora falam em casa não autorizada”. A evolução linguista, observa, tem a ver com as questões jurídicas, dado estarem a decorrer 15 providências cautelares.

Em toda a ilha está previsto derrubar 225 casas. Primeiro são as de segunda habitação e a seguir irão, também, as dos pescadores, mas só depois de haver alternativas de realojamento através de um programa que está a ser desenvolvido pela câmara de Faro. O número de construções identificadas como sendo de famílias ligadas à faina do mar chega às 111, mas quando se pergunta pelo número de pescadores da ilha, chega-se à conclusão que andará por volta das duas dezenas. “Aquela casa, ao pé da minha, foi transaccionada três vezes, e a outra, ao lado, quatro vezes”, denuncia Aníbal Pereira, dizendo que houve quem se “soubesse movimentar, aproveitando-se da situação,” transferindo a propriedade das casas de férias para nome de pescadores. Mas, por outro lado, também chama a atenção para outras situações que se lhe afiguram menos claras: “O Ministério Público devia investigar e o Tribunal de Contas estar atento ao custo das demolições, bem como o que virá a seguir”.

Célia Martins não é afectada pelas demolições pelo facto do marido ser pescador, mas não acredita que a sua casa na ilha se irá manter de pé por muito tempo. “Somos todos pescadores, mas os que estão no activo são muito poucos, mesmo muito poucos”. Vive na ilha há 38 anos, e desde os dez que ouve dizer que “isto é para ir abaixo”. Agora que os editais foram afixados nas paredes das portas a anunciar a “posse administrativa”, acha que o assunto é para levar a sério. “Primeiro são as de segunda habitação, depois são os outros, já nos disseram isso”, comenta. Sebastião Teixeira garante que a segunda fase da operação só será desencadeada quando houver “garantia de realojamento”, recusando-se a avançar com datas.

Em relação às vozes discordantes, projectadas de forma dessincronizada, Sebastião Teixeira não se mostra surpreendido. “Nós partimos de um limiar de ruído grande - ninguém está feliz por isto -, mas a reacção é a esperada”. As palavras, proferidas na ilha, fazem eco à passagem de uma idosa. “Faziam mal as casas aí? … o mar logo leva a gente”, atira. O técnico, também director regional da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), agarra na deixa e sublinha o perigo iminente nesta zona da ria Formosa.

Em relação àá zona central da ilha - área que foi desafectada do Domínio Público Marítimo para a câmara de Faro nos anos 50 -, Sebastião Teixeira considera que a “vulnerabilidade à acção do mar é igual, mas o risco é superior” por estar ocupada por mais pessoas, com prédios que chegam a ter três e quatro pisos. Porém, entende que essas construções estão “cobertas por outra força legal”, diferente das barracas construídas em área do Domínio Público Marítimo. Não serão demolidas. A este propósito, Anibal Pereira, o reformado que foi viver para a ilha, por indicação médica, diz: “Eu também tenho, legalmente, água e luz em casa – então as leis não iguais para todos?”

Estado forte com os fracos, fraco com os outros
As demolições, que desde a semana passada estão a decorrer nos ilhotes da ria Formosa, frente a Olhão, foram uma espécie de “balão de ensaio” para um programa mais vasto que pode levar ao derrube de 800 casas. O deputado do Partido Socialista, Miguel Freitas, pediu, no Parlamento, nesta quarta-feira uma explicação sobre o que se está a passar ao Ministério do Ambiente, tendo denunciado que há duas famílias de pescadores no ilhote de São Lourenço que ali habitam há mais de 30 anos e que ficaram de fora da lista das pessoas a realojar. Pergunta o deputado, eleito por Faro, se o Ministério vai, ou não proceder à reavaliação do processo, denunciando que o Estado decidiu “iniciar uma operação de renaturalização da ria Formosa precisamente pelos mais fracos”. A questão mais complexa surge na ilha do Farol, onde as casas consideradas em situação mais vulnerável são aquelas que se situam na área que foi desafectada do Domínio Público Marítimo, e por esse facto já consideradas intocáveis. As outras são para demolir, em nome da defesa da segurança de pessoas e bens.    

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