O Natal e o mensageiro da Foz do Douro

Raul Brandão, escritor, poeta e político, reside no Jardim da Foz do Douro desde os cem anos. Sobre o rio, naquele sítio em que este chega ao mar. Olha a pátria. Repete a pergunta de há mais de um século: “ Quem fez mal à República?”.

Conhecemos o artista se lhe conhecemos a arte. Conheci Irene Vilar no Jardim da Foz do Douro. Numa tarde cinzenta de Natal. Estacionara, sem fazer nada, na pequena esplanada do Chalé Suísso. “Suísso” que se escreve à moda antiga. Sítio de encontros e paleios de Camilo Castelo Branco e Ramalho Ortigão. Pairo por aí. Vagueando pelo Amor de Perdição e pelas Farpas que toda a gente conhece. Nem que seja só de ouvir dizer.

Fui interrompido na minha tarefa penosa de olhar para o balão. Uns quatro ou cinco jovens sorridentes inquiriram se tinha um tempo para eles. Falaram-me de Irene Vilar. De uma sua medalha comemorativa do centenário do Jardim do Passeio Alegre. Fiquei com a medalha. Perdi-lhe o rasto nas mutações da vida que vivi. Encontrei-a agora ao remexer coisas inúteis que tenho a mania de guardar. Para nunca mais encontrar. Junto com outras. A de Fernando Pessoa inspirada no óleo de Almada Negreiros sentado à mesa no café Martinho da Arcada. Outras comemorativas disto e daquilo.

Ter a medalha de Irene Vilar é um privilégio. Como a primeira edição de um livro de autor que nos seduz. Sintetiza a tipologia do jardim. Numa face, tem a inscrição do centenário do Jardim. 1988. Um obelisco do arquitecto do Porto, o italiano Nicolau Nasoni há dias encontrado na Igreja da Torre dos Clérigos. Palmeiras que ali há muitas. A assinatura de “Vilar”. Na outra, o farol pelo mar dentro e o castelo de São João da Foz mais a oeste do jardim. 

Irene Vilar nasceu em Matosinhos. Viveu na Foz do Douro muito tempo. Professora, escultora e dedicada à numismática e medalhística. Artista de todas as artes plásticas. A sua arte anda por todo o mundo.

Neste Natal, o jardim não está iluminado de luzinhas multicolores, nervosas e tremeluzentes a dar a sensação de uma terra feliz. Um escuro romântico povoa e passeia entre as mais diversas árvores que habitam o jardim. Envolve tudo.

Olho a Foz do Douro com olhos que não os desse tempo. Um dos sítios mais encantadores e românticos do Porto e de Portugal. O Chalé Suísso tem outra graça e encanto. A esplanada já não é pequena. É mais pequena. No meio do Jardim da Foz abraçado pelo Douro sob o olhar do escritor Raul Brandão. Sei que é parcialidade. Quando se trata do Porto, sempre o vejo sólido de ideias democráticas de D.Pedro IV. Dos amores de Garrett e perdição de Camilo. Já não mudo.

O Jardim da Foz do Douro, estilizado na medalha de Vilar, fica para trás. Segue-se a margem direita do rio umas centenas de metros em direcção ao centro do Porto pela Rua do Passeio Alegre. A rua estreita-se um pouco. Faz uma curva acentuada à esquerda. Aí, em cima do Douro, há uma grande estátua em bronze. Pousa tanto no rio que se teme mergulhe no Douro. Vira costas ao rebuliço da cidade. Perscruta a serenidade do Douro. É difícil passar com indiferença. Tem sempre na mão direita uma flor vermelha. 

É o anjo Gabriel. O Mensageiro de Irene Vilar. Da boa nova de Natal.

Procurador-geral adjunto

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