Finalistas do concurso para a direcção do Teatro São Luiz reclamam contra a exclusão de todos eles

Candidatos dizem que a decisão traduz uma “derrota de um eixo estruturante da política cultural defendida para a cidade" pela Câmara de Lisboa. Está em causa a imagem de António Costa, afirmam.

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Escolha do director artístico do SãoLuiz envolta em polémica David Clifford/Arquivo

O “processo de recrutamento” do director artístico do teatro municipal de São Luiz destrói “a imagem de honorabilidade” do presidente da Câmara de Lisboa, da vereadora da Cultura, e de todos os membros do júri.

Quem o diz são os três candidatos que chegaram à fase final daquele concurso e que tomaram conhecimento, na semana passada, de que nenhum deles ocuparia o lugar.

Numa reclamação que nesta segunda-feira dirigiram a Catarina Vaz Pinto, a vereadora da Cultura que tutela a empresa municipal responsável pelos teatros municipais e pela selecção dos seus directores (a EGEAC), Américo Rodrigues, Filipe Crawford e Miguel Abreu não poupam nas palavras e deixam no ar a suspeita da existência de “interesses directos ou indirectos” de membros do júri na decisão tomada.

No cerne da reclamação — que também foi formalizada junto do presidente da EGEAC, Miguel Honrado, que presidiu ao júri nomeado para escolher o substituto de José Luis Ferreira — encontra-se o facto de a eventualidade de nenhum concorrente ser escolhido não estar prevista em parte alguma, nem lhes ter sido comunicada a possibilidade de isso suceder. Em causa, porém, está um conjunto de outras situações para as quais os queixosos não encontram justificação.

Desde logo, contrariamente ao que aconteceu em 2010, quando o anterior director, José Luis Ferreira, foi o primeiro a ser recrutado por concurso, não foi divulgado o número e o nome dos concorrentes à primeira fase da selecção, nem as propostas daqueles que foram admitidos à segunda fase.

E já depois de conhecida a rejeição das candidaturas dos três finalistas, o júri continuou a recusar-se a indicar-lhes o número e o nome dos candidatos afastados na primeira fase, bem como outros elementos e informações relativos ao processo. 

Mais surpreendente para os três programadores é o facto de a decisão final — que lhes foi transmitida a 30 de Setembro, reportando-se a uma reunião realizada, segundo a acta, no dia 21 de Setembro, um domingo, pelas 10h da manhã — referir que o júri entendeu que “as propostas apresentadas pelos candidatos suscitam reservas no que respeita à estratégia e aos objectivos a prosseguir (...) e que das entrevistas realizadas não resultou qualquer alteração significativa àquela apreciação”.

Em consequência, escrevem os membros do júri  Miguel Honrado, Ana Marin e Jorge Salavisa foi decidido, por unanimidade, “não seleccionar qualquer um dos candidatos, pelo que não se mostra necessário proceder à sua valoração”.

Numa primeira fase, o júri escolheu quatro candidatos com base nos respectivos currículos — os três agora excluídos e Paulo Ribeiro —, convidando-os a apresentarem uma “proposta artístico-cultural” escrita, cuja avaliação teria um peso de 60% na decisão final, contra os 40% correspondentes à classificação da entrevista a que seriam submetidos aqueles que chegassem à última fase.

Paulo Ribeiro acabou por desistir. Quanto aos outros, lê-se na acta da sua reunião de 26 de Junho, “o júri deliberou admitir todas as propostas artístico-cultural apresentadas, prosseguindo assim os candidatos no processo de selecção”.

Ora, sublinha a reclamação enviada a Miguel Honrado, se as propostas levantavam as reservas que ditaram a eliminação dos três finalistas, “teria sido curial o júri não ter passado nenhum destes candidatos à terceira fase processual” — a da entrevista.

Questionada pelo PÚBLICO, a direcção da EGEAC afirma que na primeira fase se apresentaram “nove candidatos” e que “a qualificação para a terceira fase dependia somente da análise formal” das propostas dos quatro escolhidos, “nomeadamente quanto à apresentação dentro do prazo (...) e observância das linhas orientadoras disponibilizadas”.  A análise do conteúdo das propostas, acrescenta, “era realizada em sede da terceira fase, na qual também se integrava a realização da entrevista”. 

A empresa nada adianta, todavia, quanto ao futuro preenchimento do lugar de director artístico, ou ao eventual lançamento de um novo concurso, limitando-se a indicar que “não está previsto” que a actual directora executiva, Aida Tavares, “assuma os dois cargos”.

Além disso, diz a EGEAC, “a programação do teatro continuará a ser assegurada pela sua equipa até se encontrar uma direcção artística”. No site do teatro, no entanto, já consta que a programação da temporada de 2014-2015 é da responsabilidade de Aida Tavares, uma técnica superior da EGEAC que em 2010 concorreu ao lugar ganho por José Luis Ferreira, sendo então nomeada gestora e directora executiva.

Embora não verbalizadas directamente nas reclamações dirigidas pelos concorrentes a António Costa e a Catarina Vaz Pinto, algumas das alusões aí feitas ao comportamento do júri prendem-se com o facto, conhecido, de o seu presidente (Miguel Honrado) viver em união de facto com a directora executiva do teatro.

Colocando-se numa perspectiva política, os signatários destas reclamações manifestam a sua “decepção” e “estupefacção” com o resultado do concurso. De acordo com os três concorrentes, a forma como ele decorreu tem de ser vista à luz do da decisão camarária, anunciada em 2010, de passar a escolher os directores artísticos dos teatros municipais por concurso.

Salientando que a lei não obriga a este procedimento, Américo Rodrigues, Filipe Crawford e Miguel Abreu definem-no como “um eixo de acção política” que “foi considerado exemplar e moralizador (...) em prol de uma gestão pública pautada por valores de transparência, igualdade de oportunidades e escrutínio de méritos”.

Daí que solicitem, tal como fazem no documento dirigida ao presidente do júri, que a decisão seja revista, sendo atribuída uma classificação aos três finalistas e entregue a direcção do teatro ao melhor classificado. 

“Esta é a solução adequada e, sobretudo, a que evita danos políticos desmoralizadores da confiança no sistema e nos respectivos rostos de liderança política e que evita também a derrota de um eixo estruturante da política cultural defendida para a cidade”, concluem os concorrentes.

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