Câmara do Porto perdoa 1,2 milhões de euros na legalização do Shopping do Bom Sucesso

Município fica com 1,3 milhões de euros de taxas pagas e consideradas nulas pelo tribunal e abdica de quase 1,2 milhões que ainda tinha a receber.

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O tribunal mandou demolir o shopping do Bom Sucesso Manuel Roberto

O executivo da Câmara do Porto deverá aprovar, esta terça-feira, uma proposta que, na prática, isenta os proprietários do Shopping do Bom Sucesso de pagarem quaisquer taxas devidas pela legalização do empreendimento, cujo licenciamento inicial foi considerado nulo pelos tribunais. Nos cofres do município ficam 1,3 milhões de euros já pagos pelas taxas entretanto consideradas nulas, mas a “redução” que a câmara oferece aos proprietários é quase do mesmo valor – 1,166 milhões de euros.

No âmbito do processo de legalização do Shopping do Bom Sucesso, os serviços municipais consideraram que o empreendimento poderia obter um licenciamento válido, desde que fosse “superiormente aceite a cércea das torres”, o que viria a ser feito. Contudo, o facto de os construtores do shopping não terem criado, como estavam obrigados, espaços verdes de utilização colectiva ou equipamentos para o mesmo fim, obrigava-os a compensar o município com taxas no valor de quase 2,5 milhões. É a abdicação deste valor – por se considerar que parte já foi pago e aplicando uma “redução” ao remanescente – que o executivo deverá decidir esta terça-feira.

A proposta tem a assinatura do vereador do Urbanismo, Manuel Correia Fernandes, e nela argumenta-se que “a exigência do pagamento de tal valor obstaria, na prática, à legalização, dada a impossibilidade do seu pagamento, facto esse que desvirtuaria todo o procedimento da legalização e o sentido de resolução de um problema que se arrasta na cidade há cerca de vinte anos”. O documento não explica quais as razões para a “impossibilidade de pagamento”, mas fonte da assessoria de imprensa da câmara explica que o montante seria praticamente “incobrável” face à dificuldade em notificar todos os proprietários de fracções no empreendimento.

De facto, a mesma fonte argumenta que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto “não conseguiu ainda notificar os 1053 proprietários de fracções” do empreendimento da decisão de Novembro de 2007 que determinava a demolição do edifício, no prazo de 42 meses, “salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respectivo acto válido de licenciamento”. Ora, para a autarquia, o facto de os envolvidos não terem sido todos notificados desta decisão faz com que o prazo referido não tenha sequer começado a contar.

Agora, a câmara quer pôr um ponto final sobre o processo do Shopping do Bom Sucesso, optando pela sua legalização em vez da demolição, com Correia Fernandes a defender, na proposta, que “há interesse municipal na legalização deste edifício, interesse esse que se traduz no princípio do justo equilíbrio entre os interesses públicos de salvaguarda do equilíbrio urbano de legalização deste edificado e o princípio da razoabilidade e protecção da confiança de terceiros de boa-fé”. Salvo o que já foi pago em taxas nos anos 90, o processo ficará a custo zero para os proprietários do imóvel.

Em 1994, a Câmara do Porto emitiu a licença de construção do Bom Sucesso, quando o empreendimento já estava em fase adiantada de obra. No ano seguinte, entrava no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto um acção interposta pelo arquitecto Pulido Valente pedindo a declaração de nulidade do licenciamento. A contestação tem sido encabeçada quase desde o início pelo advogado Paulo Duarte, que acabaria por ver o tribunal dar-lhe razão no ano 2000. A nulidade do licenciamento seria confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2002.

Como a decisão acabou por não surtir qualquer efeito prático, foi apresentada uma acção de execução, que levou o tribunal a afirmar que não havia qualquer razão para o imóvel não ser demolido. Posteriormente, em Novembro de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ordenou a demolição do shopping, no prazo de 42 meses, salvo se este fosse passível de legalização. Em Dezembro de 2013, em declarações ao PÚBLICO, fonte da autarquia assumia que a possibilidade de legalização do Shopping do Bom Sucesso já fora analisada pela direcção municipal de Urbanismo e que esta era favorável a essa eventualidade.

Confrontado com a proposta que vai agora à reunião do executivo, Paulo Duarte diz que o seu cliente “desconhece” o processo de legalização em curso, pelo que não se quer estender nos comentários. Contudo, afirma: “Quando o arquitecto Pulido Valente souber de uma eventual decisão de legalização, e se entender que há alguma ilegalidade, não deixará de exercer o seu direito, com os instrumentos que tem à sua disposição”.

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