Câmara de Matosinhos acusada de perdoar milhões em taxas a três petrolíferas

Polémica sobre o acordo estabelecido em 2009 entre a autarquia e três companhias petrolíferas voltou esta segunda-feira a agitar o executivo dirigido por Guilherme Pinto.

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A Galp já desmantelou os seus depósitos. Falta ainda retirar os equipamentos da BP e da Repsol do Parque de Real Fernando Veludo/NFactos

Sob um coro de críticas da oposição, câmara assume futuros custos da retirada, do subsolo de Matosinhos, de condutas da Galp, Repsol e BP.

A Câmara de Matosinhos assume, numa nova alteração ao acordo feito em 2009, e já alterado em 2013, para saída das petrolíferas do Parque de Real, que ficará com as condutas que ligam o porto de Leixões a estes depósitos, e que atravessam várias ruas da cidade, arcando com os custos futuros da remoção das mesmas. Ao mesmo tempo, a autarquia confirma que abdica de taxas de direitos de passagem devidas pela Galp, BP e Repsol desde 1 de Janeiro de 2010, num “perdão de milhões” que merece duras críticas do PS e do PSD.

Foi em 2009 que o município e as petrolíferas estabeleceram um acordo com vista ao desmantelamento do parque de armazenamento de combustíveis que a Petrogal, a BP e a Repsol exploram em Real, Matosinhos-Sul. Nessa altura, o executivo trocou as receitas das taxas de direitos de passagem que as empresas se recusavam a pagar pela utilização do subsolo da cidade, por onde passam os pipelines, por dinheiro e parte dos terrenos no parque de Real, que no total cobririam os 21 milhões de euros que estavam a ser dirimidos em tribunal.

Esta segunda-feira, em reunião extraordinária, o executivo aprovou adendas aos protocolos assinados com as petrolíferas e actualizou as datas de efectivação dos vários passos desse acordo, que até agora só foi parcialmente cumprido pela Galp. E assegurou a esta, bem como à Repsol à BP “a manutenção da isenção das taxas devidas pela ocupação privativa do respectivo domínio público municipal (taxa municipal sobre construções ou instalações especiais no solo ou subsolo municipal)” no período entre 1 de Janeiro de 2010 e 2018, ano previsto para a conclusão do processo de inertização daquelas condutas e entrega das condutas ao município.

O problema, assinalou na reunião o vereador do PSD, é que  o município “está a abdicar de uma receita de muitos milhares, talvez de milhões de euros”. “Por isso solicitei que me fosse dado a conhecer o valor que a câmara deveria ter recebido e receberia se tal isenção não se verificasse”, explicou ao PÚBLICO o social-democrata. O PS já fez as contas e, por alto, estima que o município esteja a perdoar 30 milhões de euros às três empresas, ou seja, mais um terço do que estava em causa nos acordos que vêm sendo trabalhados desde 2009. Valor que o vice-presidente da autarquia desmente.

“É um escândalo. É revoltante”, atira António Parada. “A câmara não é ingénua e sabe muito bem o que está a fazer”, avisa o vereador socialista, prometendo que o partido vai analisar muito bem a documentação para ver que outros passos pode tomar. Por seu lado, Pedro da Vinha Costa admite levar o caso ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público (entidade que nunca lhe respondeu a uma anterior denúncia sobre este assunto) se sentir que o interesse público possa estar a “ser lesado” com esta isenção, que na sua perspectiva não se reflecte em qualquer contrapartida para o município. 

“Aí eu não era vereador. E só agora tive acesso a elementos que me deixam ainda mais preocupado”, assinalou o autarca ao PÚBLICO, afirmando que num dos considerandos do primeiro acordo, a que só esta segunda-feira teve acesso, se indicava que os processos em tribunal por causa das taxas não pagas estavam a ser decididos a favor da autarquia. Ou seja, nota, “esta tinha todas as condições para impor os termos dos protocolos em favor do município, e não está a fazê-lo, o que é grave”.

Um exemplo deste comportamento é, para o PSD e para o PS, a questão das condutas. Há um ano, lembram os dois partidos, o presidente da câmara, Guilherme Pinto, dizia que elas iam ser inertizadas e que, no momento em que se fizesse alguma obra numa rua, as petrolíferas seriam chamadas a pagar a retirada das tubagens. Ora o que ficou agora inscrito na adenda é que a câmara, após a inertização, passa a ser a dona das condutas e só chamará as empresas a pagar alguma coisa se, numa obra, perceber algum tipo de contaminação do solo que lhes seja imputável.

“Este é mais um perdão”, acusa António Parada, um crítico da opção de inertizar os tubos. O autarca explica os seus receios: “A câmara não tem meios técnicos para fiscalizar isso e garantir que é bem feito e sem riscos futuros para a cidade”, alerta, criticando a inversão de discurso de Guilherme Pinto.

Este aspecto levou o vereador da CDU, que tem um pelouro no executivo, a abster-se, com declaração de voto. José Pedro Rodrigues considera que deveria ficar assegurado, sob a forma de um “fundo de garantia”, por exemplo, uma verba, aprovisionada pelas gasolineiras, para os custos de remoção dos pipelines quanto isso se revelar necessário. Mesmo aprovando as restantes alterações, o comunista alerta que não se pode desresponsabilizar as empresas, argumento partilhado pelo vereador do PSD.

O vice-presidente da Câmara, Eduardo Pinheiro, desvalorizou estas críticas, e preferiu relevar os méritos da inertização, que vai ser certificada. A partir daqui, vincou, se algum problema for detectado numa obra futura, a câmara chamará a empresa responsável, como se prevê na nova versão do acordo, e se se verificar que o processo de descontaminação foi mal feito, a petrolífera arcará com os custos de limpeza e remoção, notou. O município espera receber ainda hoje os cinco milhões devidos pela Galp, que entregará a parte dos terrenos que lhe cabem no acordo nos próximos meses. O mesmo acontecerá entretanto com a BP e a Repsol.

Câmara diz que abdicou de 6,5 milhões para conseguir o acordo
O vice-presidente da câmara assinala que a isenção das taxas por utilização do subsolo esteve sempre prevista nas várias versões dos protocolos firmados com as petrolíferas. Eduardo Pinheiro argumenta que essa isenção foi a forma de convencer as empresas a desmantelar o parque de Real, argumento sempre contestado pela oposição, que lembrava que a licença de utilização desta área de Matosinhos-Sul para armazenamento de combustíveis terminava este ano, e que o Plano de Urbanização desta zona da cidade prevê outros usos para o espaço.

Confrontado com o aumento, ano após ano, do valor das receitas de que a autarquia foi abdicando, Eduardo Pinheiro contestou a crítica, indicando que a saída das empresas de Real vai acontecer ainda este ano, como previsto. E rejeitou que as isenções atinjam os 30 milhões referidos por António Parada. As condutas pertencem às empresas, no limite, até 2018, mas o vice-presidente de Guilherme Pinto faz às contas ao período entre 2010 e o final de 2014 para chegar a um valor de 6,5 milhões de euros.

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