Autarcas avançam para tribunal contra lei da água

Autarquias vão convocar também uma nova Assembleia Geral da Águas de Douro e Paiva

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A ideia é harmonizar os preços da água a partir de 2014 Adriano Miranda

Os autarcas da Área Metropolitana do Porto (AMP) com participação nas Águas de Douro e Paiva vão avançar para tribunal, contra a reforma do sector da água, aprovada na quinta-feira em conselho de ministros. A decisão foi tomada esta sexta-feira, na reunião do Conselho Metropolitano do Porto (CmP), por todos os autarcas com assento neste órgão, alguns dos quais, por mera solidariedade, já que não são accionistas.

“É entendimento do Conselho Metropolitano do Porto que, tendo em conta as questões relevantes das últimas horas, a opção política é pelo recurso aos tribunais, para defesa da nossa posição”, disse o presidente do CmP, Hermínio Loureiro depois de ouvir os autarcas explanarem as suas opiniões sobre a decisão do Governo e sobre o que se passara, no dia anterior, na Assembleia Geral (AG) das Águas de Douro e Paiva.

Segundo os autarcas, a AG, que decorreu na manhã de quinta-feira, foi subitamente interrompida quando os accionistas se preparavam para decidir se concordavam ou não com a criação da nova estrutura decorrente da reforma governativa, as Águas do Norte, e o representante do Estado, detentor de 51% da empresa pública, abandonou a reunião. “O Governo ontem deu-nos duas provas de que acabou o diálogo. Da parte da manhã, o representante das Águas de Portugal, confrontado pelos accionistas, ausentou-se da sala, impedindo que houvesse uma deliberação. Da parte da tarde, foi a cereja no topo do bolo [com a decisão do conselho de ministros]. Portanto, terminou o diálogo. Só resta um caminho, defendermos os direitos dos munícipes em tribunal”, disse o vice-presidente da Câmara de S. João da Madeira, Miguel Oliveira.

Antes, José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara de Valongo e anfitrião desta sessão do CmP, já defendera que a decisão dos autarcas em avançar para os tribunais não podia ser entendida como “a judicialização da política”. “Temos mesmo que ir à justiça. O representante do Governo [na AG] disse umas 40 vezes que o que está em causa é uma medida legislativa. Uma argumentação que, se estivéssemos todos de camisas vermelhas, seria de um regime totalitário. Tudo o que disse se encaminha para uma nacionalização e isto não pode ser assim. Tem de ser a Assembleia Geral a ditar se quer ou não o fim, porque está em causa uma extinção e está em causa o direito societário”, defendeu.

O autarca socialista de Valongo vincou que os autarcas não têm alternativa senão ir para tribunal. “Há um Governo que entende fazer tábua rasa do que é uma empresa, que funciona e tem responsabilidades. Decidiram, vamos extinguir esta sociedade onde temos 51% e vamos criar uma coisa não. Não é assim”, disse, argumentando que o que o Governo quer fazer é “esbulho”.

O presidente da Câmara da Maia, Bragança Fernandes, acompanhou o colega, lembrando aos líderes da AMP que a concessão em curso, das Águas de Douro e Paiva, da qual vários municípios detêm 49%, tinha um prazo de 30 anos, 17 dos quais já passaram. “Estamos a 13 anos do fim da concessão e nessa altura todos os equipamentos iriam para as câmaras municipais. Com o que está a acontecer ficamos varridos a zero e sem indemnização”, disse.

A reestruturação do sector da água cria apenas cinco sistemas, em vez dos 19 geridos por empresas detidas pela holding estatal Águas de Portugal (AdP) e pelos municípios, e prevê um agravamento das tarifas no litoral (que podem chegar aos 40%), e um preço mais baixo no interior. No CmP desta sexta-feira, os autarcas salientaram que, ao contrário do que o Governo quer fazer passar, a medida não é solidária com os municípios mais desfavorecidos. “Não haverá uma melhoria dos municípios [do interior], o que vai haver é uma melhoria financeira das empresas que distribuem a água. Não nos obriguem a pagar o que não devemos pagar”, defendeu Joaquim Couto, autarca de Santo Tirso.

Miguel Oliveira propôs que fosse a comissão executiva do CmP a realizar “os procedimentos necessários” para fazer andar o processo judicial, mas Lino Ferreira, que preside a essa comissão, explicou que não sendo accionista, o CmP não poderá ser actor oficial no processo. Por isso, como confirmou Hermínio Loureiro aos jornalistas, no final do encontro, terão de ser os municípios a avançar, sem o chapéu do CmP, mas em conjunto. Aliás, o líder da AMP ficou mandatado para renovar os contactos com o líder da Associação de Municípios do Vale do Sousa e presidente da Câmara de Felgueiras, Inácio Ribeiro, no sentido de poderem avançar com uma acção conjunta.

Hermínio Loureiro defendeu que esta é a altura de agir, depois do “compasso de espera” que os autarcas tinham feito, para ver se o Governo era sensível às questões levantadas em reuniões anteriores e, inclusivamente, à proposta apresentada pela AMP, para que, no caso das Águas de Douro e Paiva, os municípios pudessem comprar a empresa e geri-la. Com a decisão do Governo, a esperança de uma solução política caiu por terra. “Não vamos agora pagar com juros elevadíssimos os erros cometidos pelas Águas de Portugal durante anos. Esse não é o dever dos municípios, porque não éramos nós que tínhamos conselhos de administração pagos a peso de ouro e com muitas pessoas”, disse Hermínio Loureiro.

Os autarcas decidiram, ainda, convocar formalmente uma nova AG das Águas de Douro e Paiva e Hermínio Loureiro deixou um recado ao accionista estatal: “Não apreciamos a forma como terminou a reunião de ontem, com a saída da sala do accionista Estado. Entendemos que não é boa prática, é preciso que haja respeito pelos accionistas.”

A reforma do sector das águas também já levou a Câmara de Condeixa-a-Nova, no distrito de Coimbra, a anunciar que irá avançar para os tribunais. Já os 19 municípios da Comunidade Intermunicipal do Douro e os presidentes das câmaras da Guarda e de Vila Real congratularam-se com a reforma. Os primeiros saudaram as tarifas “mais justas” para o interior e Álvaro Amaro, autarca da Guarda, classificou mesmo a reforma como “histórica”.

Reuniões públicas e privadas
A reunião pública do CmP estava, como de costume, agendada para o meio-dia, mas já eram 13h quando as portas se abriram para deixar entrar os jornalistas. Antes, como acontece sempre, os autarcas já tinham estado reunidos durante horas, no que designam por “reunião preparatória” e onde, efectivamente são decididos os temas que, depois, são apresentados na “reunião pública” aos jornalistas e restantes interessados. Um método que tem sido seguido desde que foi imposta a obrigatoriedade legal de as reuniões dos conselhos metropolitanos serem públicas. Na prática, contudo, quando o espaço é aberto aos cidadãos, já as decisões foram tomadas. Por isso, nesta sexta-feira, quando a “reunião pública” começou, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, ainda estava presente no encontro, mas minutos depois abandonou a sala. Seguiram-se os representantes dos municípios de Espinho e de Santa Maria da Feira. Uma vez que a votação das propostas é feita durante a “reunião pública”, aparentemente nenhum destes autarcas votou a proposta da água. Ou votaram?

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