Algarve está lotado apesar do Verão envergonhado

Com a temperatura da água do mar a descer aos 19 graus, sobram as noites “quentes” de animação. E até a socialite Paris Hilton vai assumir o papel de DJ, numa discoteca de Verão, em Vilamoura

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O tempo meio murcho que se fez sentir no final de Julho e nesta primeira semana de Agosto não impediu os portugueses de caírem em força nas praias algarvias. O alojamento nas unidades de quatro e cinco estrelas, nas principais zonas balneares, encontra-se esgotado. Estacionar o automóvel ou alugar toldo nas praias da moda – Ancão, Quinta do Lago ou Vale do Lobo – representa um exercício de paciência, em fila de espera. Mas não faltam eventos e, em Vilamoura, na segunda-feira, a americana Paris Hilton vai assumir o papel de disco jocker, no Seven.

“Com vento e água fria – onde está o Algarve?”, pergunta, céptico, o empresário Artur Alfaiate, na praia da Quinta do Lago. O ambiente não está de feição: tomar banho com a temperatura da água a 19 graus não está na agenda de quem procura as praias do sul. Os desportos náutico -  bodyboard ou jetski, por exemplo - deixaram de ser “novidade” e mesmo com preços que se mantêm invariáveis desde há cinco anos, os clientes não surgem, na Quinta do Lago, com a frequência que era habitual. Mas, um pouco por toda a região, não faltam turistas à espera de dias melhores para a praia.

Às primeiras horas do dia, o sol já “pica” nas peles mais sensíveis acabadas de chegar para gozo de férias. O mergulho na água limpa e transparente viria a calhar, mas a mulher de biquíni amarelo, na Quinta do Lago, faz marcha atrás quando mete os pés na rebentação. “Pudera, está fria - há 30 anos que não me lembro de um Verão assim”, diz o empresário, desportista, Artur Alfaiate. Mais à frente, em Quarteira, pelo areal deserto, D. Albertina, alentejana, carrega o chapéu de sol em direcção à praia do Vidal. “Quero apanhar bom lugar, daqui a pouco vai ver que não há  espaço nem para estender uma toalha”, avisa

A região algarvia, nesta altura, converte-se numa galáxia turística, com os portugueses e ingleses a equilibrarem as contas da hotelaria. De acordo com os números divulgados pela Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), de Janeiro a Julho, a procura e o volume de negócios teve ao mesmo nível do ano anterior, mas há a previsão que este Verão seja melhor do que o de 2013.

Entre Janeiro e Julho, segundo a AHETA, registou-se  um aumento de 6,2% do número de dormidas por parte dos portugueses. Em relação ao principal mercado estrangeiro - os britânicos -, no mesmo período, houve uma subida de 7,3% em relação ao ano anterior.  Os alemães, holandeses e irlandeses vieram em menor número. No geral, comenta Elidérico Viegas, presidente da AHETA, “há uma subida mínima em relação ao ano passado, mantendo-se a previsão para 2014 de um crescimento de 3,4%”.

Por outro lado, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou um estudo sobre “Gastos Turísticos Internacionais 2013” onde de lê que cada visitante gastou em média 81,3 euros/dia. No período da época alta, que vai 22 de Julho a 18 de Agosto, as despesas per capita alcançaram os  85,4 euros/dia. No período baixo do turismo, de 21 de Outubro a 17 de Novembro (que, no caso do Algarve, coincide com o ponto alto do golfe), a diária desceu para 72,9 euros. A amostra teve por base 41.542 entrevistas, incidindo sobre os visitantes que chegam por fronteira aérea e terrestre.

Mais turistas, menos dinheiro
Quinta do Lago e Vale do Lobo são dois dos pontos de referência turística, no segmento dirigido às classes com maior poder de compra. Hotéis e empreendimentos turísticos estão cheios pelo menos até meio do mês. Situação bem diferente da que se verificava até há cerca de duas semanas. Os parques de estacionamento dos dois empreendimentos, geridos pela empresa municipal Loulé Global, sofreram nos meses de Junho e Julho uma quebra de 8% em relação ao mesmo período no ano anterior. “Há menos dinheiro”, diz Artur Alfaiate, comentando que, como um mal nunca vem só, “o tempo também não ajuda”.

Elidérico Viegas, por seu lado, sublinha que “as pessoas tem vindo a encurtar o período de férias, por questões económicas”. E embora o discurso “oficial” seja o de reduzir a sazonalidade, “o que se verifica é que cada vez mais se encurta a época de férias, e o Algarve passa meses com as casas fechadas”. 

Mas embora a quebra do poder de compra entre os portugueses tenha feito perder o brilho de algumas “estrelas” que cintilavam no firmamento de veraneio, não falta clientela aos bons restaurantes.

O restaurante Gigi - muito falado em grande medida devido às figuras públicas que o frequentam – só serve almoços e queixa-se que é “menor” o consumo. Em Albufeira, a proprietária do restaurante “A Ruína” (clientela média/alta), Salomé Lazaro, observa: “Vemos a cara das pessoas, mas não o dinheiro que trazem na algibeira – o poder de compra caiu muito”. Porém, admite não ter grandes razões para queixa: “estamos a trabalhar mais ou menos”, diz

No bar “O Patacas”, em Vilamoura, o proprietário Filipe Silva, afirma: “Está uma loucura”, ilustrando com o facto de numa só noite ter batido o record, com a venda de mil litros de cerveja. Cá fora, os jovens inundam as ruas circundantes transformando o espaço envolvente num “bar aberto”, toda a noite, com bebidas compradas em supermercados. O fenómeno do botellón, que se popularizou em Espanha a partir da década de 90, estendeu-se ao Algarve. “No ano passado, o consumo de bebidas nas ruas representava cerca de 10% do volume vendas no bar, este ano deverá andar pelos 40%”. Filipe Silva considera que o assunto “exige maior atenção por parte das autoridades” pelos conflitos que poderão surgir na zona.

As discotecas de praia são outra das modas que parece ter vindo para ficar. Na segunda-feira, é a vez da socialite americana, Paris Hilton, se estrear em Portugal como DJ, actuando no Seven. No próximo dia 12, repete a exibição no Pacha, em Ofir.   

Virgílio Bernardo, morador permanente no rés-do-chão de um edifício situado em frente à zona dos bares desabafa: “Estou farto de reclamar, não consigo dormir com o ruído”. De manhã, quando olha a rua, diz, só vê “garrafas e copos espalhados por todo o lado, como se tivesse existido aqui uma batalha campal”. A mulher, Isabel, comenta: “Esquecem-se que Vilamoura não tem só turistas, também vivem aqui pessoas que tem de trabalhar todos os dias e têm direito ao descanso”.

Os engarrafamentos de trânsito, no anel da marina de Vilamoura e zonas em redor, são uma constante nas horas de ponta da saída das praias e à noite. Para mostrar que há alternativas ao automóvel, hoje, pelas 18h00, a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta organiza um desfile de “pedaleiras” – o Vilamoura Cycle Chic - destinado a demonstrar a importância deste meio de transporte nos meios urbanos.

Ao contrário do que aconteceu na Quinta do Lago e Vale do Lobo, o estacionamento pago, em Vilamoura, gerido pela empresa Loulé Global, sofreu um aumento de 20% nos meses de Junho e Julho relativamente ao período homólogo do ano anterior. Até final do mês de Agosto, para diminuir os fluxos de trânsito, funciona uma linha verde de Transportes Urbanos, entre Vilamoura e Quarteira, a circular de 30 em 30 minutos, destinada a aproximar as duas zonas turísticas.

O certo é que parece que “o Verão está difícil de arrancar”, diz Artur Alfaiate. Mas os banhos de sol continuam a fazer as delicias dos turistas, na falta de melhor temperatura da água.

Restaurante do Ancão recua para trás da duna
A praia do Ancão, situada entre a Quinta do Lago e Vale do Lobo, é uma das mais concorridas da região. O acesso faz-se por um caminho de terra batida, em espaço natural. As condicionantes impostas pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) levam o restaurante “2 Passos”, ali instalado, a ter de recuar para trás da duna. O novo estabelecimento, com abertura marcada para o próximo ano, vai custar 870 mil euros, beneficiando de uma comparticipação de fundos comunitários de 371 mil euros. Peixe e mariscos dominam a ementa. Uma dose de ameijoas (250 gramas) custa 17 euros.

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