Passos Coelho, António Costa e a máquina de lavar

Da primeira vez que Costa repetiu que Passos foi além da troika, a máquina entrou em velocidade de cruzeiro.

O debate começou ao mesmo tempo que a máquina de lavar. Passos e Costa emanavam da rádio. O electrodoméstico estava na cozinha.

Evoluíram mansamente, a princípio. Enquanto o primeiro-ministro e o postulante ao mesmo trono esquentavam os motores, ouviam-se os primeiros ruídos da lavagem da roupa suja. A água a entrar e o tambor ainda a girar lentamente, de forma a molhar tudo de modo equitativo. É a democracia sanitária.

Da primeira vez que Costa repetiu que Passos foi além da troika, a máquina entrou em velocidade de cruzeiro. É aqui que a roupa, ensaboada, é submetida a uma tortura perpétua, em movimentos circulares que a fazem cair sucessivamente sobre si própria, mimetizando o esfregar manual. Há um ronronar próprio nesta fase, constante e hipnótico.

Nesse momento, discutia-se como reanimar a exangue economia nacional. O actual governante gabava-se do que fez, o pretendente enaltecia o que faria, sabendo nós que nem o primeiro fez bem o que dizia, nem o segundo faria tudo o que jurava. Ao terceiro “é fundamental”, o sonífero barulho da lavagem tomou a dianteira sobre o debate.

Cinco mil milhões de pessoas no mundo não têm acesso a uma máquina de lavar. O ambientalismo cego diria que é bom: poupa-se em matéria-prima e energia. Mas onde elas faltam, milhões de mulheres passam o dia tratar da roupa à mão. O sueco Hans Rosling, o guru dos dados sobre o desenvolvimento, não se cansa de dizer que a máquina é emancipadora.

Agora discutia-se o despedimento conciliatório, termo assaz intrigante. Costa dirigia-se a uma das jornalistas que moderava o debate, com um hipotético exemplo: “Se fizer uma rescisão por mútuo acordo com a sua rádio…”. E ela, cortando-lhe o pio in extremis: “Ultrapassámos o prazo para a resposta”.

As regras do tempo eram rígidas. Passos pediu a Costa para cumprir o que tinham combinado: os dois não falariam ao mesmo tempo. Parece sensato. Mas retira graça ao confronto. A batalha vocal é mais cativante do que a das ideias, uma injustiça intelectual da realidade. Felizmente ninguém cumpriu a promessa, dando trabalho extra aos jornalistas para controlar o relógio.

Escolher a duração certa para a lavagem é essencial. Um ciclo curto pode ser tão eficiente como um longo, não vale a pena desperdiçar água e energia. Aquele estava a estender-se e a máquina ainda ia a meio quando Passos e Costa, depois de permutarem um “não lhe fica bem” por um “tenha paciência”, aterraram na privatização do aeroporto e nas dívidas de Lisboa.

Acendeu-se o debate, naquele ponto compreensível, o que não é fácil. Discutir o futuro do país implica abordar terminologias complexas, como a condição de recursos das prestações não contributivas da segurança social, que ninguém sabe o que é, mas que entalou um dos candidatos.

Foi um momento de calor – de resto um fardo ambiental numa máquina de lavar. O consumo de electricidade aumenta exponencialmente com a temperatura. É melhor usar água fria, o resultado não é muito diferente.

Passos e Costa já falavam ao mesmo tempo. Os jornalistas queriam discutir educação, mas ambos não largavam as finanças. O entusiasmo coincidiu com o início da centrifugação, a 800 rotações por minuto. Para o bem do planeta, o melhor é centrifugar o mínimo no Verão, e estender a roupa ao sol, e o máximo no Inverno, para usar menos a secadora.

Instalou-se o caos sonoro, mas não durou muito. A máquina de lavar sossegou antes dos argumentos finais dos candidatos para persuadir os eleitores. A mim, não me convenceram. Mas a roupa ficou limpa.

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