A Impossible deu uma segunda vida às velhinhas Polaroid

Depois de ter comprado a última fábrica de filme da Polaroid, em 2008, a Impossible Project conseguiu num ano produzir um milhão de cartuchos que permitem voltar a fazer fotografia com as câmaras que marcaram uma era.

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Regina Coelho

Parecia, de facto, uma missão impossível. Pegar numa fábrica velha, obsoleta, descobrir a fórmula mágica e voltar a produzir packs de filme instantâneo para Polaroids, naquele ano de 2008 em que o mundo se voltava, de olhos arregalados, para o primeiro Iphone: uma invenção com meses, apenas, e que, provou-se entretanto, viria a ser tão icónica, e substancial, quanto a das câmaras Polaroid SX-70 que, em 1972, permitiram que cada um de nós pudesse ver (quase) de imediato o que acabáramos de fotografar.

Mas a Impossible acabou mesmo por vencer a batalha contra a história e, depois de algumas vicissitudes iniciais, produziu, no último ano, um milhão de cartuchos que alimentam a criatividade de quem acredita que a fotografia pode ser instantânea, sim, mas ao modo de antigamente.

Visto em absoluto, o número não impressiona. Afinal, o que são um milhão de packs de filme quando, por aí, segundo dados da própria Impossible, haverá 300 milhões (leram bem, trezentos milhões) de câmaras Polaroid dos vários modelos produzidos entre 1972 e o final da década de 90 perfeitamente funcionais? Ok, o volume de vendas, 20 milhões de euros, resultantes da venda de cada pack para oito fotos é bom, mas o investimento na aquisição da fábrica de Enschede, na Holanda, que custou quatro milhões de euros, e na sua adaptação para uma nova linha de produção, criada de raiz, dado que não lhes foi deixada a fórmula do “segredo”, consumiram um total de 39 milhões de euros.

Foi muito dinheiro para um negócio considerado, como as máquinas que herdaram, obsoleto, o que explica que ninguém se tenha interessado por continuar esta produção, deixada de fora no processo de falência da Polaroid, e na segunda vida desta famosa empresa, que renasceu, focada na fotografia digital, após 2008. O CEO da Impossible admite que precisarão de anos para recuperar o investimento feito na fábrica da Holanda, mas há vários sinais de que esta foi uma aposta certeira, como os lucros, que, tal como a imagem naquele papel, demoram a aparecer, mas podem revelar-se já nos próximos 18 meses, admite Creed O’Hanlon, em entrevista por e-mail ao PÚBLICO.

A Impossible começou com 50 funcionários, triplicou esse número e continua a contratar. O CEO espera no novo ano fiscal produzir um milhão e meio de cartuchos e entrar no mercado chinês. E enquanto isso, está já a preparar terreno para anunciar ao mundo, até ao final de 2015, uma nova câmara. Analógica, pois claro. A primeira, do tipo Polaroid, a ser produzida em mais de 15 anos, assinala o líder da empresa sediada em Berlim e fundada entre outros, pelo artista Florian Kaps. Que percebeu que, se o mundo mudara a ponto de quase matar a fotografia instantânea em papel, a mudança alimentava uma cultura capaz de valorizar aquele lado low-fi, “mágico”, mecânico em vez de electrónico, que um Iphone, por melhor que seja o Instagram e os seus sucedâneos, não consegue reproduzir.

“Eu fico sempre surpreendido pela paixão intensa que as pessoas demonstram pelo filme instantâneo. Mas, na verdade, percebo que é um meio mágico, no qual reacções químicas complexas nos revelam imagens, e memórias, claro, na palma da nossa mão”, diz Creed O´Hanlon, dando conta do interesse que os produtos da Impossible vêm gerando no segmento entre os 16 e os 24 anos e no peso nas vendas, que é já de 40% e continua a aumentar, da faixa entre os 25 e os 34 anos. Ou seja, o mesmo grupo que aderiu em massa aos smartphones e às redes sociais anda a limpar o pó às velhinhas Polaroid lá de casa.

No Porto, como em Lisboa e noutras cidades do mundo, não faltam lojas de produtos fotográficos vintage com várias câmaras à venda, a preços que variam entre os 35 euros, para alguns modelos que usam o filme Tipo 600, e mais de cem euros (ou bem acima disso, no caso de raridades), para modelos tipo SX-70. E pela presença online, nas redes sociais, de inúmeros grupos de fãs, está mais do que visto que está para chegar o tempo em que estas máquinas, que dependem dos tais processos químicos complexos mas são de uma simplicidade desarmante, vão passar a mero objecto de museu ou de decoração, para pôr ao lado de um moderno pass-partout digital.

O milhão de cartuchos produzido num ano está também a ser efusivamente celebrado pela Impossible porque, na verdade, as primeiras fornadas de filme estavam longe de terem a qualidade do material inventado por Edwin Land – esse homem que, depois de ter desenvolvido, já na década de 40, uma fórmula para a fotografia instantânea de grande formato acabou por colocar essa invenção ao alcance de qualquer um na década de 70. O que começou por desiludir os fãs, que pagam um custo elevado por foto e que, mesmo assumindo o gosto pela low-fidelity, desconfiavam da fraca fixação das cores no papel. Land também passou por isso. E foi ousado o suficiente para mostrar o seu filme, ainda imperfeito. Mas pediu a convidados que fotografassem numa reunião tulipas vermelhas e amarelas que encomendara de propósito por serem essas as cores que conseguia naquele momento reproduzir melhor.  

O problema é que a Impossible não tem a sua própria história, muito curta, por trás, mas a de uma marca que se aperfeiçoou até conseguir fazer parte da História do século XX. “O nosso primeiro filme era muito imperfeito, mesmo que o processo de investigação, desenvolvimento e produção que o gerou fosse quase miraculoso. Durante muito tempo não era, de facto, nada comparável ao da Polaroid, mas nós fizemos grandes avanços nos últimos doze meses, iniciados pela chegada no nosso responsável pela área técnica (CTO), Stephen Herchen, que foi CTO da Polaroid e trabalhou ao lado do lendário fundador da empresa, Edwin Land”, explica Creed O’Hanlon.

O presidente-executivo da Impossible considera que, neste momento, o filme 600, a preto e branco, “está praticamente igual, em qualidade”, ao que a Polaroid produzia e pensa que não demorarão muito a conseguir dizer o mesmo do filme a cores. “O produto está muito melhor do que há um ano, e os nossos programas de I&D estão a ter mais sucesso”, insiste, considerando estar aí, juntamente com uma melhor rotulagem, o aumento da visibilidade do projecto, com a abertura de espaços Impossible em cidades como Paris ou Londres e uma boa estratégia de marketing online, uma das explicações para o aumento substancial da produção e das vendas.

O que ninguém poderá esperar é que o preço a pagar por cada um desses momentos mágicos baixe dos actuais 2,5 euros. Nisso, Creed O’Halon é taxativo. E se a opção tem algo que ver com os custos de investimento e de produção – “o preço reflecte a complexidade da química envolvida e a natureza quase artesanal do nosso filme”, vinca – não deixa de ser, também ela, uma marca do posicionamento do produto no mercado actual. Mais do que levar a fotografia instantânea à casa de qualquer um, como pretendia Edwin Land, a Impossible espera que as pessoas usem o seu material “para produzir arte e imagens que valem bem mais do que esses 2,5 euros, seja pelo valor artístico, seja pelo valor que há nessa ligação, tangível, com uma imagem resultante de um processo fotográfico com esta história”.

Na verdade, a arte esteve sempre muito presente no percurso da Polaroid, fundada por Land e um antigo professor de física, George Wheelwright III, no final da década de 30. Muito antes da explosão destas câmaras como produto de consumo – segundo um artigo da Economist, do ano passado, chegou a haver um gadget destes em metade dos lares americanos – Edwin Land contratou o famoso fotógrafo Ansel Adams como consultor da empresa em 1949: um ano depois do desenvolvimento da sua primeira câmara de grande formato. E aproveitou as críticas deste para afinar os seus protótipos, até chegar à mítica SX-70.

Tal como Adams, que teve direito a câmaras e a um stock de packs de filme para toda a vida, outros artistas, como Andy Warhol, Walker Evans, Robert Rauschenberg ou Robert Mapplethorpe entre muitos outros, usaram a Polaroid como meio de expressão. E entregaram à tecnologia “uma parte” do trabalho de criação do objecto artístico, que se torna único, dado não haver, neste caso, um negativo para manipular ou reproduzir. Graças a um intenso programa de apoio a criadores, a empresa acumulou milhares de fotografias que não só documentam a evolução e as possibilidades técnicas do produto, como lhe retiram, graças à assinatura, o ar efémero que a palavra “instantâneo”, e a ligeireza das máquinas lhe poderiam dar. E esta segunda oportunidade que a Impossible lhes veio oferecer vem provar que este tipo de fotografia é tudo menos efémero.

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