“São precisos bons braços, mas acima de tudo muita vontade”

Daqui a seis meses arrancam, no Rio de Janeiro, os Jogos Paralímpicos. Luís Costa é um dos atletas portugueses que lá estará. No caso dele, pela primeira vez, mas com a ambição que o colocou na elite do ciclismo adaptado em pouco mais de um ano.

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Luís Costa em cima da sua handbike Vasco Célio
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Filipe Farinha

Amputado de uma perna, Luís Costa é um exemplo de que ser portador de uma deficiência não é impeditivo de nada. Há dois anos entrou no mundo do paraciclismo, na modalidade de handbike (bicicletas adaptadas movidas não pelas pernas mas pelos braços) muito por culpa do exemplo do antigo piloto de Fórmula 1, Alessandro Zanardi. 9.º na Taça do Mundo, 7.º no ranking mundial e na prova de contra-relógio do Campeonato do Mundo, 8.º na corrida de fundo, Luís Costa já tem lugar assegurado nos Jogos Paralímpicos, competição em que o país tem tradição. Desde a primeira participação lusa (1972), já vieram para Portugal 88 medalhas. A última edição, em Londres, contribuiu com três. E Luís Costa vai ao Rio com a vontade de ajudar a somar mais uma.

Em 2003 teve um acidente de viação, que lhe provocou a amputação de uma perna, no dia em que completou 30 anos. O que lhe passou pela cabeça nessa altura?
Bem, houve aquele momento de revolta inicial quando tomei conhecimento de que ia ficar sem a perna. Porque logo no momento do acidente não tive noção, pois fiquei em coma. Só uma semana depois é que decidiram cortar, porque não havia solução. E houve aquela revolta inicial… O que é que me aconteceu, como é que isto foi, isto não me pode ser... Depois dei a volta por cima muito rapidamente. Não fiz aquela travessia do deserto e em questão de dias levantei a cabeça e fomos para a frente. Passado um mês saí do hospital e estava pronto a adaptar-me à vida cá fora. Claro que há sempre momentos em que sofremos recaídas, quando as coisas não correm como queremos, as dificuldades iniciais são muitas, mas de um modo geral ultrapassei isso bem.

Só começou no paraciclismo dez anos depois, em 2013. Porquê esta demora?
Foi por desconhecimento. Não foi por falta de fazer desporto. Quando saí do hospital, no dia seguinte estava no ginásio a treinar, com um colar cervical e só com uma perna. E continuei a fazer desporto, mas basicamente ginásio. Como é lógico, as limitações de ter só uma perna não nos deixa fazer muita coisa. Pelo menos até termos conhecimento de que existem coisas que se podem fazer. E só comecei em 2013 porque, em 2012, houve os Jogos Paralímpicos em Londres e por causa da atenção que os media dão ao Alessandro Zannardi, que é o campeão olímpico e mundial da minha classe, começou a aparecer muitas vezes na televisão. E pensei, ‘olha aí está uma coisa que podia fazer’. E comecei a pesquisar, que tipo de veículo era aquele como é que o podia adquirir e quando dei por isso, passado uns meses, estava a começar a andar com um e rapidamente estava a competir. Comecei em Março de 2013 e em Junho estava a competir, precisamente com o Alessandro Zannardi.

Foi o italiano Zannardi que o despertou para a modalidade?
Sim, foi a importância e a atenção que lhe deram que me influenciou e, aposto, a muitos outros. Ele foi o atleta que provocou esta evolução do paraciclismo.

O que é que é preciso para se ser um bom atleta de handbike? Presumo que bons braços.
Sim, bons braços (risos) mas acima de tudo muita vontade. Isto não é fácil. Há muitos obstáculos. Não é apenas o obstáculo da condição física. Há muito sacrifício envolvido. É preciso levantar muito cedo [para treinar], porque ao contrário do que sucede noutros países, em que os atletas com estatuto de alto rendimento como eu tenho têm apoios e conseguem deixar de trabalhar e dedicar-se exclusivamente ao desporto, em Portugal essas condições não existem, não há profissionalismo, somos todos amadores e, logo no início há o primeiro obstáculo que é o preço do material.

O Luís lançou uma campanha de crowdfunding para ajudar na compra de um quadro de carbono para a sua bicicleta, que tem o custo de 12.100 euros…
A campanha é apenas para o quadro, não é para a bicicleta toda, porque tenho material muito caro na bicicleta que utilizo actualmente e que vou aproveitar e passar para esse quadro.

Já conseguiu a verba de que necessita?
Ainda faltam quatro mil euros. Neste momento vou em oito mil euros. Houve umas promessas de dinheiro que, até ao momento, ainda não apareceu e falta uma semana para ter o quadro. Trata-se de um equipamento muito específico, requer um período de adaptação longo, por isso tenho que começar a competir com ela já. Daí esta urgência toda. Vou ter uma primeira prova em Abu Dhabi dia 20 de Março e já vou estreá-la em competição.

Vai ter que recorrer a um empréstimo então?
Sim, vai ter mesmo que ser.

É possível competir numa mesma prova com equipamento diferente? É que uma coisa é competir com uma bicicleta com essas características e outra é fazê-lo como aquela que tem actualmente.
Não só é possível como é isso que está a acontecer. Até esta época, na minha classe, o único que estava a competir com uma bicicleta com o quadro em carbono era o Alessandro Zannardi. Nas outras classes já há mais bicicletas em carbono, mas na minha classe os nossos quadros são muito específicos, são muito difíceis de construir.

Mas isso não desvirtua a competição?
Eu acho que sim e sempre critiquei isso. Já questionei o motivo por que não havia um peso mínimo adequado às handbikes, porque neste momento o peso mínimo estabelecido é igual às bicicletas normais (6,8kg). Fala-se que a handbike do Zannardi pesa sete quilos, sete quilos e pouco. A minha, por exemplo, pesa 12,3kg. Ora, ao fim de duas horas a dar ao braço e se for um percurso acidentado, como aconteceu no Campeonato do Mundo de 2015, na Suíça, onde o percurso tinha subidas estupidamente inclinadas, vai fazer uma grande diferença. Não é justo. Este ano, pelo que já me apercebi - porque nós acabamos por nos conhecer todos e estamos em contacto - para além de mim, que vou ter a bicicleta em carbono, haverá mais três ou quatro que se vão apresentar no Rio com uma bicicleta em carbono. Ou seja, se não tivesse este quadro, iria estar mesmo em grande desvantagem.

Falou há pouco de obstáculos. Estava a referir-se a condições de treino, condições financeiras?
Especialmente condições financeiras. O material é muito caro. Uma handbike nova, minimamente apresentável para competir e já não estou a falar de rodas de carbono, estou a falar de uma bicicleta standard, com rodas de alumínio, com o material mais simples, que não seja de lazer mas que tenha condições para competir, vai custar 5000 euros. Isto nas outras classes, porque na minha começam nos 6000, 6500. A minha, neste momento, está em 10.000 euros. Isso é um grande entrave.

O que é mais prioritário fazer para ajudar os atletas que competem no desporto adaptado?
Algo muito importante é fazer com que a imprensa se interesse mais sobre o desporto adaptado. Se nós nos queixamos de falta de apoio é porque as empresas não vêem no desporto adaptado algo que dê visibilidade. Uma empresa não tem interesse em estar a apoiar um atleta se depois não há cobertura mediática.

Recebe uma bolsa olímpica por ter estatuto de atleta de alto rendimento.
Sim, estou no programa de preparação olímpica e isso dá-me direito a receber uma bolsa que é um valor (risos) irrisório. São 225 euros.

225 euros?
Sim, tem a ver com os níveis, com as expectativas na obtenção de resultados no Rio. Sou atleta de nível 3. Depois os níveis 2 e 1 sobem um pouco mais, sendo que os de nível 1 recebem quinhentos e qualquer coisa euros.

E estes valores são metade dos montantes recebidos pelos atletas olímpicos.
Exactamente. Os valores são 50% dos valores recebidos pelos atletas ditos não deficientes, quando deveria ser, precisamente, o contrário. Um atleta que tem uma deficiência motora tem, logicamente, muitas mais despesas e dificuldades. Pelo menos que fosse igual. E o mesmo acontece com as medalhas [um atleta que ganhe uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos receberá 40 mil euros, enquanto a prata vale 25 mil e o bronze 17,5 mil].

Para este ano a sua grande prioridade são, precisamente, os Jogos Paralímpicos?
Sim, é para essa competição que estão a ser feitos todos os esforços e a minha preparação. Daqui até lá ainda tenho muitas provas para fazer, em que vou ter que ter paciência e não estar preocupado em obter grandes resultados. Porque tenho que chegar ao meu pico de forma em Setembro, nos Jogos. Tenho que ter paciência e se calhar não estar no meu melhor nas provas de Março, Abril, Junho… Geralmente não tenho essa paciência e quero estar a 100% o ano inteiro, mas o meu plano de treinos está assim desenhado e vou ter que ter paciência.

E depois há a adaptação à nova bicicleta…
Sim, isso é uma incógnita. Pode correr tudo bem e a adaptação ser muito rápida, mas também posso andar ali um mês, ou dois, ou três… O facto de ser muito mais leve, ao contrário do que se possa pensar pode-me trazer problemas de adaptação, de equilíbrio…

Conhecendo os atletas com quem, previsivelmente, irá competir no Rio, e sabendo já qual será o percurso dos Jogos Paralímpicos, até onde é que pensa que pode ir?
Tenho grandes expectativas e aspirações legítimas pelos resultados que tenho obtido. Nunca fiz melhor do que um quinto lugar e há cinco atletas a quem nunca ganhei. Possivelmente irão os cinco aos Jogos. Mas não quer dizer que não lhes consiga ganhar ou que outros atletas a quem já venci não me possam ganhar agora. Por outro lado, o percurso é totalmente plano e isso pode trazer surpresas porque quando o trajecto é inclinado, já sabemos quem sobe bem e conseguimos prever a coisa. Sendo um percurso plano, é bem possível que a coisa se decida ao sprint ou cheguemos todos juntos ao último quilómetro o que faz com que o vencedor seja uma incógnita. Mas penso que é legítimo aspirar ao “top-5”.

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