O reforço da época

1. Já não é mistério que o desporto se pratica – cada vez mais – nos tribunais. As múltiplas vertentes desse omnipresente fenómeno social assim o ditam e já não há espaço para aqueles que vêem na lei e na acção dos tribunais uma intervenção injustificável no desporto. Em termos muito prosaicos o desporto, na sua evolução, pôs-se a jeito.

2. Ainda a semana passada referimos um caso em que a “providência cautelar” assume protagonismo. Esta figura, que como o próprio nome indicia pretende defender direitos de forma imediata, se bem que provisoriamente, é claramente um dos jogadores que deve ser considerado como um reforço de peso, quando a prova tem lugar no espaço judiciário.

Hoje damos conta de uma providência cautelar proposta pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e que não teve sucesso.

2. A LPFP não gostou das soluções, ainda hoje vigentes, contidas na Portaria nº 50/2013, de 5 de Fevereiro, que veio definir os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas e os consequentes pressupostos de participação nas mesmas. Visionou, nalgumas das suas normas, a violação da Constituição da República e da lei. Assim sendo, iniciou um processo cautelar para a suspensão de sua eficácia.

3. As razões e pretensões da LPFP não foram acolhidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Daí o recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que, este ano, confirmou a primeira decisão. Vejamos, somente com o fito de informar que este jogador, tão na “boca” e moda desportivas, e que muitos têm por sinónimo de vitória imediata, na prática, vale menos do que o estabelecido na sua “cláusula de rescisão”.

4. Uma providência cautelar é adoptada pelos tribunais desde logo se – e simplificando – a ilegalidade do acto é evidente. Para o tribunal, concorde-se ou não com o seu juízo (e há uma corrente jurisprudencial muito limitativa do espaço de acção desta «evidência»), “não é evidente, em regra, nos casos em que a cognição das circunstâncias de facto e do consequente juízo subsuntivo na lei aplicável decorre de elaborada actividade exegética e argumentativa que não de uma apreensão imediata, manifesta e sumária”. No caso, decidiu o tribunal que era imprescindível “uma actividade dirimente, de exegese complexa e aprofundada”.

5. Um outro fundamento pode sustentar a adopção de uma providência cautelar: quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito. O Tribunal de novo refutou que estivessem preenchidos estes requisitos.

6. Nas suas palavras: “O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível ou justificado» a cautela que é solicitada.”

7. A providência cautelar, um dos jogadores essenciais, não é contudo muito regular nas suas exibições e, como tantos jogadores, tem períodos em que persiste em não marcar golos. Estamos longe de negar a sua importância como meio de reacção imediata a uma eventual ilegalidade; mas as suas “características técnicas e tácticas” não permitem atribuir-lhe a importância – inclusive (ou principalmente) mediática – de que goza. E, acima de tudo, interpor uma providência cautelar não é nunca – como parece ser crença comum - sinónimo de ter razão.

josemeirim@gmail.com

Sugerir correcção
Comentar