Dívida financeira de Benfica, Sporting e FC Porto já ultrapassou os 660 milhões de euros

Apenas a SAD do FC Porto reduziu ligeiramente os empréstimos bancários e obrigacionistas. Benfica e Sporting são responsáveis por 80% desta dívida.

Nem a crise económica, nem as restrições ao crédito bancário, nem as novas regras impostas pela UEFA (fair-play financeiro). Nada parece incentivar uma mudança profunda na estratégia de endividamento dos principais clubes de futebol portugueses. A dívida financeira das sociedades anónimas desportivas (SAD) de Benfica, Sporting e FC Porto atingia os 663,3 milhões de euros no final da época 2012-13, mais 54,9 milhões do que na temporada anterior.

O FC Porto foi a excepção, ao reduzir a dívida em 15 milhões de euros. Ainda assim a SAD portista soma 131,1 milhões de euros em empréstimos, um valor significativo, embora bem menor do que os montantes de endividamento das SAD de Benfica (283,3 milhões) e Sporting (248,9). Juntas, as duas sociedades dos clubes lisboetas representam cerca de 80% destes 663 milhões de euros (ME).

Estes dados foram recolhidos pelo PÚBLICO e por António Samagaio, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) de Lisboa, com base nos relatórios e contas anuais enviados à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

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A dívida financeira (que inclui os empréstimos bancários e obrigacionistas contraídos para a gestão do futebol e também os que foram pedidos para pagar os estádios – à excepção do Sporting, cujo valor não está disponível) é particularmente relevante, não só porque é a parte mais significativa dos passivos, mas também porque é o chamado passivo remunerado - implica um custo. Basta dizer que, no ano passado, a SAD do Benfica pagou 17,6 ME em juros, a do FC Porto 10,2 e a do Sporting 7,7.

No caso dos três "grandes", o passivo exclusivamente relacionado com o futebol é de 836,6 ME e o passivo consolidado (inclui todas as sociedades participadas pelas SAD) é de 919,6 ME.

O endividamento do Benfica é o mais elevado, com forte peso do financiamento bancário para as actividades do futebol (121,6 milhões) e os empréstimos obrigacionistas (93,2 ME). Os empréstimos para a construção do estádio surgem em terceiro lugar (63,6 ME). No caso do Sporting, a maior parcela é igualmente o financiamento para as actividades da equipa de futebol (137,6 ME), seguido das VMOC (Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis), que fazem parte do plano de reestruturação financeira da SAD (47,9 ME). O FC Porto é o menos endividado dos três “grandes”, mas segue a regra de a maior parcela da dívida ser para o financiamento do futebol (56,2 ME). Longe desta realidade está o Sp. Braga, cujo passivo bancário é de quatro milhões de euros, menos 46% do que na época anterior.

“As contas de 2012-13 revelam que a Benfica SAD e a Sporting SAD continuaram a calcorrear caminhos que estão a deixar as respectivas sociedades numa situação financeira insustentável”, diz António Samagaio, referindo-se aos prejuízos benfiquistas (10,4 milhões nas contas consolidadas, que integram todas as sociedades participadas pela SAD) e dos sportinguistas (43,8 milhões).

“O problema central da Benfica SAD e Sporting SAD é terem desenvolvido um modelo de negócio que criou necessidades de financiamento que foram suprimidas pelas instituições de crédito e outros credores”, aponta António Samagaio, sublinhando que nas últimas quatro épocas as necessidades de financiamento acumuladas de Benfica e Sporting “foram de 86,2 milhões euros e 158,9 milhões euros, respectivamente”, enquanto no FC Porto foram somente de 4,2 milhões, fruto das receitas obtidas nas vendas de jogadores.

Apesar de ter um nível de endividamento inferior e de ter reduzido a dívida, a SAD do FC Porto também está pressionada pela banca. “A taxa média de financiamento [do FC Porto] passou de 7,62% em 2011-12 para 8,51% em 2012-13, reflectindo assim um agravamento de 2,2 milhões de euros nos juros suportados”, destaca António Samagaio, acrescentando que o FC Porto emitiu um empréstimo obrigacionista em Dezembro de 2012 com uma taxa de juro de 8,25%, mais alta do que a do Benfica, que colocou no mercado, em Abril deste ano, 45 milhões de obrigações, a uma taxa de 7,25%.

A “bondade” da banca
E a situação do Sporting só não é pior, graças ao que António Samagaio qualifica como a “bondade de algumas instituições financeiras portuguesas que dificilmente encontra paralelo em outras empresas portuguesas que apresentem dificuldades financeiras”. O professor do ISEG destaca que, ao abrigo do plano de reestruturação, o Sporting só pagará juros (de 4%) sobre 80 milhões de euros quando distribuir dividendos. “Atendendo ao valor acumulado das perdas de 207,7ME, não é expectável que nos próximos anos a Sporting SAD pague qualquer juro referente a 80ME. É pena que este modelo de financiamento não tenha sido adoptado pelo Governo português nas negociações com a troika em 2011”, diz Samagaio.

Mas será este endividamento uma surpresa? Paulo Reis Mourão, professor de Economia na Universidade do Minho, diz que não. “O ciclo económico tende a traduzir-se em mudanças mais rápidas nas receitas e nos gastos operacionais e não tanto nos valores relacionados com o endividamento – há aliás, uma certa tendência para recorrer à entrada de fluxos por via do endividamento quando a crise económica é mais acentuada”, diz este especialista, afirmando, porém, que para “os três grandes impera a regra de ouro das finanças, obrigando-os a aumentar proveitos significativamente nos tempos próximos (maior pressão nos mercados de Inverno e de Verão) sob o risco de a estratégia falhar e os clubes entrarem em várias formas de incumprimento para com terceiros.”

Fair play financeiro
O endividamento e os prejuízos dos clubes colocam dificuldades de médio prazo à sustentabilidade destas sociedades, mas no imediato podem também trazer-lhes dificuldades-extra. É que a UEFA apertou as regras de controlo financeiro, com o objectivo de garantir que os clubes não têm despesas superiores às receitas. Trata-se do chamado fair play financeiro e quem não cumprir ficará sujeito a sanções – em último caso, não poderá participar nas competições europeias, que são hoje uma importante fonte de receitas e também uma montra para os jogadores (as transferências são outra parcela fundamental das receitas das SAD).

Os peritos da UEFA não vão olhar de forma simplista para as contas (os gastos com os estádios e o futebol de formação, por exemplo, não serão contabilizados), o que dificulta uma conclusão cabal a quem está de fora. Mas ainda assim, é fácil perceber que os clubes portugueses estão sob pressão. “As contas de 2011-12 e 2012-13 são relevantes para efeitos do licenciamento dos clubes que poderão competir nas provas da UEFA na época de 2014-15”, explica António Samagaio, lembrando que no acumulado destes dois exercícios o FC Porto soma prejuízos de 15 milhões, o Benfica de 22 milhões e o Sporting de 89 milhões – a UEFA monitoriza todos os clubes com prejuízos superiores a cinco milhões e pode aplicar sanções a quem ultrapassar os 45 ME.

Nos vários factores que são tidos em conta nesta avaliação da UEFA, vale a pena também referir que Benfica (23,8) e Sporting (119,4) têm capitais próprios negativos, ou seja, o passivo é superior ao activo, o que se costuma designar como falência técnica. E mesmo a SAD do FC Porto só tem capitais próprios positivos de 9,9ME, o que a deixa ao abrigo do artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais – obriga a medidas quando os capitais próprios são inferiores a metade do capital social.

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