A IAAF foi até há pouco tempo um assunto entre pai e filho

O ex-presidente da Federação Internacional de Atletismo trouxe para o organismo dois dos seus dois filhos.

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A gestão de Lamine Diack à frente da IAAF foi agora posta em causa DAMIR SAGOLJ/Reuters

Era uma das frases preferidas de Lamine Diack, antigo presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF, na sigla inglesa) e que agora ganha todo um outro significado: “O atletismo é uma grande família.” Tudo porque o clã do senegalês Lamine Diack, presidente da IAAF durante 15 anos (até Agosto do ano passado) está no centro de um vasto conjunto de acusações de corrupção e ocultação de casos positivos de doping.

Aos 82 anos, Diack é o alvo de duas investigações em curso na justiça francesa por corrupção, corrupção passiva e branqueamento de capitais. Ele é suspeito de ter fechado os olhos a casos de doping, nomeadamente de atletas russos, a troco de dinheiro.

Um dos seus filhos, Papa Massata Diack, viu o seu nome ser colocado, a 17 de Dezembro, na lista de pessoas procuradas pela Interpol, na sequência de um mandado de captura emitido pelas autoridades francesas.

Papa Massata Diack “foi apontado por diversas pessoas” no âmbito das investigações em curso na justiça gaulesa, explicou nesta quinta-feira Eliane Houlette, responsável pela procuradoria financeira francesa, em Munique, na conferência de imprensa em que foi divulgada a segunda parte do relatório da Agência Mundial de Antidopagem (AMA).

Notificado pelos investigadores, Papa Massata Diack, um dos 15 filhos de Lamine recusou, contudo, apresentar-se. A 22 de Dezembro, na única entrevista que concedeu até ao momento, Papa Massata afirmou que estava disponível para responder à justiça, mas não em França. “Estou no Senegal, para onde podem enviar uma carta rogatória. Sou cidadão senegalês, não francês”, declarou.

O relatório da AMA que descreve a existência de um sistema de corrupção no topo da hierarquia da IAAF durante o reinado de Lamine Diack é devastador para o senegalês e aqueles que lhe eram mais próximos. “Enquanto o presidente da IAAF, o seu conselheiro pessoal (Habib Cissé), os seus dois filhos (Papa Massata e Khalil Diack), o director do departamento médico e de antidopagem (Gabriel Dollé) e o secretário geral adjunto (Essar Gabriel) estão todos envolvidos em procedimentos duvidosos ou criminais, é a reputação da IAAF que está posta em causa”, declarou Houlette.

Os autores do relatório referem que Lamine Diack colocou os seus filhos como “consultor de marketing” e “consultor independente”, à margem do organigrama da IAAF, o mesmo tendo sucedido com Cissé, na qualidade de advogado. Os filhos de Diack foram, contudo, forçados a abandonar as suas funções na IAAF em Dezembro de 2014, depois de surgirem na imprensa britânica acusações de que teriam exigido cerca de 4 milhões de euros para a apoiar a candidatura de Doah (Qatar) para a organização dos Mundiais de atletismo de 2017, que acabariam por ser atribuídos a Londres.

Apoiando-se em “laços familiares ou pessoais”, “Lamine Diack construiu um círculo (...) que funcionou como uma estrutura ilegítima de governo da IAAF”, acusam os autores do relatório.

Papa Massata Diack foi, entretanto, banido, a 7 de Janeiro, a título vitalício, de toda a actividade ligada ao atletismo pela Comissão de Ética da IAAF. Ele é suspeito de ter conspirado junto de responsáveis do atletismo russo para receber dinheiro de atletas a troco da cobertura dos casos de doping.

Este escândalo, contudo, ultrapassa a mera esfera desportiva, já que, pelo menos no Senegal, país onde Lamine Diack beneficia de uma aura de velho sábio graças ao seu passado de desportista e de eleito (foi presidente da câmara de Dakar e deputado), existem repercurssões políticas.

Em meados de Dezembro, o jornal francês Le Monde publicou excertos das declarações prestadas por Diack quando foi ouvido no âmbito de uma investigação em curso na justiça francesa. O octogenário mencionou então a entrega de 1,5 milhões de euros a “associações e esferas de influência” de forma a evitar a reeleição e um terceiro mandato de Abdoulaye Wade, nas eleições presidenciais de 2012.

Eleito em 1999 e sendo o primeiro presidente não europeu da IAAF, a entidade que dirige o principal desporto olímpico, Diack vangloria-se de ter dado uma dimensão mundial ao atletismo. As receitas televisivas e de sponsoring elevaram-se nestes 15 anos a mil milhões de euros e as reservas financeiras da IAFF, com sede no Mónaco, cifram-se em qualquer coisa como 60 milhões de euros. A luta contra o doping também assitiu a avanços durante o mandato do senegalês, com a introdução, por exemplo, do passaporte biológico, embora os seus críticos considerem que isso não foi mais do que uma cortina de fumo que serviu para encobrir procedimentos criminosos.

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