Vulcão da ilha do Fogo voltou a acordar mas agora não foi uma surpresa

Última erupção foi em 1995 e nessa altura, ao contrário da situação actual, não havia instrumentos científicos a vigiar o vulcão.

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Imagem do satélite Meteosat 10: ao centro, o arquipélago de Cabo Verde, com a nuvem de dióxido de enxofre libertada pelo vulcão IPMA

Ao fim de um sono de 19 anos, o vulcão da ilha do Fogo, em Cabo Verde, voltou a acordar no domingo de manhã. Parte dos habitantes de Chã das Caldeiras, uma aldeia dentro da cratera do vulcão com cerca de mil pessoas, teve de ser retirada do local. E a lava, que corre em duas frentes, já cortou a estrada principal e a via alternativa para Chã das Caldeiras, por isso só é possível chegar à aldeia a pé, relata a imprensa cabo-verdiana.

Assim que o vulcão entrou em erupção, o Governo do país declarou a situação de “contingência” nas ilhas do Fogo e da Brava (a cerca de 25 quilómetros para oeste), o que implica pôr em prática medidas de protecção civil. Além disso, as autoridades aeronáuticas cabo-verdianas também avisaram esta segunda-feira, segundo a agência Lusa, a comunidade aeronáutica internacional para que os aviões desviassem a rota quando passassem pelo espaço aéreo do arquipélago, uma vez que as cinzas do vulcão já tinham chegado aos 4500 metros de altitude.

Apesar dos estragos e incómodos causados, desta vez o vulcão do Fogo não apanhou toda a gente desprevenida, ao contrário da erupção anterior, em 1995. Nessa altura, não existia instrumentação científica a monitorizar o vulcão e essa erupção, entre 2 de Abril e 26 de Maio, daria origem à criação de uma rede de monitorização e que foi sendo aumentada e melhorada.

Assim, o vulcão estava agora a ser vigiado por sismómetros (as erupções são antecedidas por pequenos abalos sísmicos, provocados pela ascensão do magna no interior da crosta terrestre) e por inclinómetros (que medem as deformações superficiais da crosta terrestre). “Desta vez, as pessoas não foram apanhadas de surpresa. Houve sinais detectados com quase um mês de antecedência: anomalias da actividade sísmica e os inclinómetros também detectaram sinais anómalos. A protecção civil foi informada disso”, conta o geofísico João Fonseca, do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, que acompanhou a erupção de 1995 no terreno, tal como outros cientistas portugueses na altura, e agora segue esta erupção à distância, através de contactos com cientistas do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (INMG) de Cabo Verde.

“A partir de sexta-feira, quase 48 horas antes, tornou-se claro que a situação iria provavelmente evoluir para uma erupção”, diz João Fonseca. “Fui informado da erupção antes da erupção. No domingo de manhã cedo estava ao corrente dos esforços de evacuação da população.”

Nos dias anteriores à erupção, a actividade do vulcão tinha começado a aumentar. Na noite de sábado para domingo, a população de Chã das Caldeiras estava assustada e já não dormiu em casa devido aos fortes abalos sísmicos, relata o jornal cabo-verdiano A Nação. Ainda no sábado à noite, refere outro jornal cabo-verdiano, o Expresso das Ilhas, o INMG alertou a protecção civil para o risco iminente de uma erupção. No domingo de manhã, pelas 9h, voltou a registar-se outro abalo sísmico forte — e foi então, pelas 10h, que o vulcão acordou de vez, libertando fumos e lava.

No Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), também os investigadores Pedro Viterbo e Fernando Carrilho têm estado em contacto com colegas cabo-verdianos do INMG. “Eles conseguiram com algumas horas de antecedência prever a erupção e começar a parte logística [da erupção]”, refere igualmente Pedro Viterbo, acrescentando que o IPMA se disponibilizou para enviar cinco sismómetros portáteis de banda larga. “A presidente do INMG de Cabo Verde disse-me que, por enquanto, não têm necessidade de instrumentação adicional. A rede deles continua a funcionar bem, apesar da erupção.”

Caso seja necessário, poderá partir uma equipa de cientistas do IPMA. Pela sua parte, a Autoridade Nacional de Protecção Civil portuguesa não tinha recebido esta segunda-feira qualquer pedido de auxílio das autoridades cabo-verdianas, mas diz também estar disponível para enviar ajuda, caso chegue esse pedido. Ofertas de apoio surgiram de outros países, com as Canárias a prontificarem-se para ajudar com meios humanos e helicópteros, segundo o jornal A Nação.

Um Homem Grande de 2829 metros

Para já, a erupção parece assemelhar-se à última. “A lava está a progredir muito lentamente. Parece ter um padrão comum ao que se verificou em 1995”, refere Fernando Carrilho. “Para além de as pessoas que vivem na zona estarem preocupadas, havia o risco de as concentrações de dióxido de carbono aumentarem, tornando perigoso habitar na zona. Por isso foi tomada a decisão de evacuar a população mais próxima”, explica Fernando Carrilho.

As escoadas de lava, além das estradas, já destruíram várias casas. Há também problemas com as comunicações, segundo informações recolhidas pelos investigadores do IPMA. Além disso, as terras vulcânicas férteis de Chã das Caldeiras — onde se produzem várias culturas, desde milho, feijão, batata, frutas até à vinha — agora estão em risco.

Resta saber se o Homi Grande (em crioulo, “Homem Grande”), como chama respeitosamente um dos jornais locais ao vulcão, cujo pico mais alto atinge os 2829 metros, se vai manter activo durante dois meses, como costuma acontecer quando acorda. Pelo menos a actividade sísmica do vulcão tinha acalmado esta segunda-feira de forma significativa, informa ainda o IPMA.

Desde o século XV, foram identificadas 28 erupções do vulcão da ilha do Fogo, incluindo a actual. Em média, ocorrem com intervalos de 20 anos e dura cerca de dois meses. No século XX, foram duas: além de 1995, a outra foi em 1951. Dessa vez foi seguido por Orlando Ribeiro, grande mestre da geografia portuguesa (1911—1997), que o documentou e fotografou profusamente. É em sua homenagem que um dos cones do vulcão se chama Monte Orlando.

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