Ministra brasileira do Ambiente: "Não sou eco-histérica, nem biodesagradável"

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Izabella Teixeira acredita que o Brasil não precisa de centrais nucleares Foto: Enric Vives-Rubio

Bióloga de formação e especializada em planeamento energético e ambiental, Izabella Teixeira assumiu o cargo de ministra do Meio Ambiente do Brasil em Abril de 2010, ainda no Governo Lula da Silva. Izabella Teixeira esteve recentemente em Lisboa e conversou com o PÚBLICO.

A presidente Dilma Rousseff manteve-a no posto, desagradando ao Partido dos Trabalhadores, que queria uma nomeação partidária.

A sua gestão tem sido marcada por dois temas polémicos. Um deles é o novo Código Florestal, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados com alterações que, se forem adiante, abrirão portas a amnistias à desflorestação ilegal na Amazónia e afrouxarão algumas medidas de protecção. O outro é o projecto da barragem de Belo Monte, a terceira maior do mundo, uma "obra do regime" acarinhada por Dilma, mas criticada por cientistas e ambientalistas.

O Código Florestal, tal como foi agora aprovado pela Câmara dos Deputados, está ser visto como uma derrota para o Governo. É uma derrota pessoal para si?

Não. O texto que foi votado é melhor do que o que foi aprovado em 2010. Mas tem 11 pontos críticos que podem sugerir amnistia ao desmatamento, no texto de uma emenda - não no texto-base. Foi uma emenda de carácter político, numa articulação política ampla contrária à proposta que o Governo defendia. A Presidenta disse publicamente que veta qualquer decisão do Congresso que leve a novos desmatamentos. O Senado quer negociar, quer aperfeiçoar o texto. Politicamente, zerámos o taxímetro.

Vê alguma relação entre a discussão do Código Florestal e o assassinato recente de líderes locais na Amazónia?

Não acho que esteja ligado ao Código Florestal. Está ligado a uma militância de agricultores familiares que tinham uma vida consolidada no extractivismo e que vinham fazendo denúncias sucessivas sobre crimes ambientais. São pessoas que há 20 anos mantêm um projecto demonstrativo no seringal que é modelo, e que infelizmente estavam expostas a uma fronteira de violência. Ainda existem fazendeiros, segundo as informações que a imprensa tem publicado, que praticam a ilegalidade e a ilegalidade não é só a de derrubar as árvores e queimar a floresta, mas também a de encomendar crimes. Isso é lamentável, é inaceitável.

Nos últimos anos tem havido uma redução substancial no ritmo de desflorestação da Amazónia. Isto tem a ver com políticas do Governo ou com o preço dos alimentos?

[Houve] um desmatamento da ordem de 27.000 quilómetros quadrados em 2004. Em 2010, chegámos a 6400 quilómetros quadrados. Estamos sendo capazes de reduzir [as ilegalidades] a partir de planos e políticas estruturadas, o plano nacional e os planos estaduais de combate ao desmatamento, e políticas também de recuperação e preservação de emprego - porque em 30 minutos eu fecho uma serraria ilegal, mas eu não gero os empregos que estão associados a esta prática ilegal. Os bancos públicos não financiam mais quem desmata ilegalmente. Políticas de inserção social, de pagamento de serviços ambientais, listas de municípios que mais desmatam e que estão excluídos de todos os benefícios dos Estado. Obviamente, muito ainda tem de ser feito, mas os dados mostram uma relação, sim, de causa e efeito com políticas de combate à ilegalidade.

Ficou assustada com os últimos números que mostram uma aceleração do desmatamento este ano?

Em Abril, apareceu um pico expressivo no estado do Mato Grosso, concentrado em 15 por cento dos municípios. Num mês, foi desmatado 50 por cento do que se desmata num ano inteiro. Segundo o governo do estado, houve desmatamento em áreas ilegais e em áreas com licenciamento ambiental, o que mostra duas situações: uma especulação em torno do Código Florestal e uma lei estadual que foi aprovada no dia 20 de Abril que isenta ou amnistia quem desmatou até à data da sua publicação. Essas áreas que foram desmatadas ilegalmente são áreas embargadas e, portanto, não podem ter produção. E agora são monitorizadas por satélite. Quem provocar desmatamento para produzir alimentos, em função do aumento do preço das matérias- primas, está apostando em perder duas vezes: a sua produção e a área embargada.

O facto de o projecto da barragem de Belo Monte ir para a frente é uma vitória para si?

Se eu quiser me manter no debate climático com uma matriz energética mais limpa, competitiva e com menor risco, é melhor que eu trabalhe a energia hidráulica do que a energia nuclear. O que não quer dizer que se possam construir hidroeléctricas destruindo o meio ambiente, ou não respeitando os direitos das populações tradicionais.

Mas é precisamente isso o que muitos denunciam neste projecto...

Não é verdade. Eu ouvi que Belo Monte inundaria área indígena. Não inunda. O município de Altamira, no Pará, onde vai ser Belo Monte, tem zero por cento de saneamento básico. A hidroeléctrica vai implantar 100 por cento de saneamento. Há um plano de desenvolvimento regional do Alto Xingu, onde o Governo federal vai colocar um bilhão e meio de reais [650 milhões de euros] em infra-estruturas, educação, investimentos sociais. É importante que as pessoas salientem os impactos negativos - não se faz uma barragem sem impactos negativos -, mas também os impactos positivos. Há um compromisso formal do Governo de que não haverá outros aproveitamentos no rio Xingu. E as medidas de mitigação e de compensação de impacto são tratadas no âmbito do licenciamento ambiental.

O Brasil, que já tem três quartos da sua electricidade produzida por barragens, precisa de mais uma hidroeléctrica, a terceira maior do mundo?

Ninguém que tem hidroelectricidade abandona a hidroelectricidade. Se um país tivesse hidroelectricidade a mais, estaria gerando mais hidroelectricidade, antes de optar por eólicas.

As barragens são preferíveis aos parques eólicos?

Não são preferíveis. Mas as barragens são uma energia de base. Parque eólico é energia complementar. Eu não posso achar que uma energia eólica com um factor de geração de 30 por cento pode sustentar o crescimento de seis mil megawatts [MW] de demanda de energia eléctrica adicional anual no Brasil. Toda a energia será necessária.

Eu não quero energia nuclear. Por que é que eu vou lidar com a incerteza e com o custo da energia nuclear, se eu tenho um potencial ainda hidráulico para ser aproveitado no país?

O Brasil é normalmente apresentado como um campeão das renováveis. De repente, descobre-se um enorme manancial de petróleo, o pré-sal, e ficam todos felizes, porque o país vai enriquecer com os combustíveis fósseis. Não é um contra-senso?

Por quê? Você só vê o petróleo como combustível ou vê o petróleo como petroquímica? O Brasil quer ser o quinto player mundial em petroquímica.

O Brasil vai certamente exportar esse petróleo...

Não é um contra-senso. Ninguém abre mão de energia. Pelos cenários da Agência Internacional de Energia, não se abre mão do petróleo nos próximos 30 anos. É óbvio que o Brasil vai querer ter uma exploração correcta do pré-sal. Não há nenhum planejamento no cenário dos próximos 30 anos que diga que vamos sujar a nossa matriz energética. Ao contrário. O gás do pré-sal substitui o óleo combustível e o óleo diesel que ainda fazem a geração de energia eléctrica nos sistemas remotos da Amazónia.

Qual é o principal problema ambiental do Brasil?

É a falta de saneamento e em particular a questão dos resíduos sólidos.

Qual é a situação actual?

Em termos de abastecimento de água, estamos bastante avançados, nas cidades é de quase 90 por cento. No saneamento, estamos numa média de 55 por cento. Um segundo problema, estratégico, está associado à poluição do ar e à mobilidade nas grandes cidades.

É um problema solúvel? Em cidades como São Paulo, parece não haver solução.

A discussão passa por mudanças de comportamento e por uma redefinição de cidade. E o Brasil tem 80 por cento da sua população vivendo em áreas urbanas. Um terceiro eixo importante é o do chamado "consumo e produção sustentável". Temos uma nova classe média, de gente que saiu da pobreza, que é da ordem dos 100 milhões de pessoas, metade da população do Brasil, que está se constituindo em patamares que podem se revelar insustentáveis. Temos de mudar este eixo.

Na conferência Rio+10, em Joanesburgo, em 2002, concluiu-se que muito pouco tinha sido feito desde a Eco-92, no Rio de Janeiro. Passados mais dez anos, nas vésperas da Rio+20, qual é a sua avaliação?

A Rio+20 não é uma conferência para olhar para o passado. É uma conferência que vai tratar de economia verde e erradicação de pobreza. Eu não vou discutir clima, biodiversidade, não vou ter documentos para poder estabelecer novas convenções. Eu vou ter uma acção política para o desenvolvimento sustentável, traduzindo concretamente os caminhos da economia verde com a erradicação da pobreza.

Qualquer cidadão que ouça isto poderá dizer: "Eles vão novamente se encontrar, vão assinar mais alguns documentos. Mas então isso já não foi feito?"

Essa é a diferença, não terá isso. Na Rio+20, o sector privado e a sociedade vão dialogar com os chefes de Estado. É uma conferência que é modelada, como a gente fala no Brasil, com alto astral. Ela não vem nos moldes tradicionais, às vezes muito fechados, das negociações internacionais. É um outro formato de debate, num mundo novo. Há 20 anos eu não tinha Internet, não tinha globalização, não tinha redes sociais, não tinha crise económica, eu não tinha uma coisa chamada "países emergentes".

A forma como funcionam as conferências da ONU está ultrapassada?

Não acho que esteja ultrapassada. Mas temos de ser mais pragmáticos. Acredito no multilateralismo. Mas também acredito na capacidade de interlocução. A sociedade - tanto a sociedade civil organizada, quanto o sector produtivo - discute hoje a sustentabilidade com um avanço impensável há 20 anos. Os governos têm de ter mecanismos mais objectivos para internalizar estes ganhos da sociedade. Na própria discussão climática, você vê iniciativas voluntárias no sector privado que não são traduzidas nos arranjos formais de negociação entre governos. E é isto o que queremos na Rio+20.

O que faz pessoalmente pelo ambiente?

Tenho um carro flex [que funciona a gasolina e a etanol]. Tenho uma fazenda com todas as áreas de reserva legal e de preservação permanente regularizadas. Sou adepta de agricultura orgânica. Sou ligada em eficiência energética. Sou absolutamente cuidadosa com o lixo, odeio desperdício. Trabalho num ministério que é todo de green building. Uso papel reciclado.

Compensa as emissões das suas viagens áreas?

No ministério, temos compensação por reflorestação. As viagens particulares compro numa agência que contribui para um fundo para a Mata Atlântica. Sou CFC free. Uso sacola de pano, tenho grades, caixas no carro para fazer compras no mercado. Faço tudo aquilo que um cidadão de classe média, que tem acesso a informação, pode fazer. Não sou eco-histérica, nem biodesagradável. Mas sou uma cidadã consciente.

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