Homens com poucos espermatozóides podem transmitir doenças genéticas aos filhos

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Esta descoberta tem implicações para a fertilização assistida DR

Será que os homens inférteis que recorrem a técnicas da medicina reprodutiva para ter filhos correm o risco de transmitir certas doenças aos descendentes? Uma equipa de cientistas do Porto estudou esta questão: foi ver se os homens com poucos espermatozóides poderiam transmitir aos filhos doenças associadas à activação ou silenciamento de genes durante o desenvolvimento do embrião. Descobriu que sim, pela primeira vez, e amanhã publica esse resultado na revista médica britânica "The Lancet".

O crescimento da placenta e do embrião é determinado por um conjunto de genes. Apesar de serem herdados do pai e da mãe, nalguns casos só há a activação dos genes do pai e os da mãe são silenciados ou vice-versa. Este mecanismo de activação ou silenciamento de genes chama-se "genomic imprinting", que significa marcação genómica parental.

Mas por vezes as coisas não correm bem e, por exemplo, um gene que devia ser silenciado não o foi. Há então a activação das duas cópias de genes, herdadas do pai e da mãe, e o resultado são anomalias no crescimento da placenta e do embrião. Até agora, só se conhecem casos de crianças nascidas com deficiências devido a problemas na marcação genética materna. Ou seja, crianças, tanto do sexo masculino como feminino, cujas doenças estão ligadas a problemas genéticos ocorridos nos ovócitos. É o caso de crianças nascidas com duas síndromes - o de Angelman e o de Beckwith-Wiedemann, responsáveis por deficiências físicas e psíquicas.

Como nasceram crianças com estas doenças em resultado de técnicas de fertilização, levantou-se a questão de saber se a medicina reprodutiva também poderia permitir a transmissão de doenças ligadas à marcação genética masculina.

Para tentar sabê-lo, a equipa de Mário de Sousa, especialista em reprodução humana do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, e Alberto Barros, do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, foi estudar os espermatozóides de 123 homens. Destes, 96 tinham poucos espermatozóides e os restantes 27 tinham um número normal, servindo de grupo de controlo no estudo. Entre aqueles com uma diminuição do número espermatozóides no esperma - ou oligospermia -, havia 46 afectados de forma moderada e 50 de forma grave.

A equipa estudou dois genes, como relata o artigo assinado em primeiro lugar por Cristina Joana Marques e Filipa Carvalho, do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e depois por Mário de Sousa e Alberto Barros. Um é o H19, que tem a ver com o desenvolvimento da placenta e o crescimento do feto. Em experiências em animais, também se verificou que problemas com este gene podiam originar cancro. O outro gene é o MEST e parece ter a ver com comportamentos instintivos ligados à espécie, como cuidar dos filhos. Pelo menos é o que apontam os estudos deste gene em ratinhos.

Nos espermatozóides analisados, os cientistas não detectaram nenhum problema ligado ao MEST, mas o mesmo não podem dizer em relação ao H19. Só a cópia da mãe deve ser activada, enquanto a do pai deve ser silenciada. Mas nos homens com poucos espermatozóides não era isso que acontecia: o H19 estava silenciado de maneira incompleta, explica ao PÚBLICO Mário de Sousa. "Não está inactivo como devia."

Pela primeira vez, descobriu-se que também há problemas de marcação genómica nos espermatozóides. "Estas mutações podem acontecer também nos rapazes. E quando acontecem, frequentemente dá infertilidade grave", sublinha Mário de Sousa, acrescentando ainda que quanto menos espermatozóides um homem tem, maior é o risco de ter mutações no gene H19.

Parece então que uma das consequências do silenciamento incompleto do H19 nos espermatozóides é tornar os homens inférteis - o que dificulta, obviamente, a transmissão do problema genético e explicaria por que não estão descritos casos de crianças com problemas originados na parte masculina.

Mas as técnicas de medicina da reprodução, como a injecção intracitoplasmática, ou micro-injecção, para resolver casos de infertilidade masculina em que há poucos espermatozóides, ou são imaturos, ou têm pouca mobilidade, poderiam eventualmente contornar essas dificuldades. "Felizmente, não nasceu nenhum bebé com estes problemas da parte masculina", diz Mário de Sousa. "Não está descrito nenhum caso. O que se pressupõe, por experiências em ratinhos, é que ou o embrião morre antes de se implantar no útero ou há anomalias de crescimento fetal e pode ser uma causa de abortamento."

Mas como os cientistas não podem garantir que este problema genético está na origem daqueles casos inexplicáveis de infertilidade, mesmo depois dos tratamentos, a equipa do Porto criou um método de diagnóstico para dar uma alternativa aos casais. "Se não ficar ia toda a gente ficar em pânico", diz Mário de Sousa. "Todos os homens que precisam de micro-injecção devem ter uma credencial para fazer o teste, para dar uma probabilidade de risco ao casal antes do tratamento."

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