Exotismo e beleza do reino da geometria em Lisboa

Antes que a exposição Formas e Fórmulas deixe a capital, aproveite para conhecer o mundo da geometria no Museu Nacional de História Natural e da Ciência até Março.

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modelo de uma superfície de grau superior a três (“cauda de andorinha”) ENRIC VIVES-RUBIO
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Em primeiro plano, exemplos de superfícies caracterizadas por equações de grau superior a três, e ao fundo superfícies cúbicas ENRIC VIVES-RUBIO
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Superfícies cúbicas "não regradas": nalgum dos seus pontos não se pode fazer passar uma recta toda incluída na superfície ENRIC VIVES-RUBIO
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Superfícies cúbicas "não regradas": nalgum dos seus pontos não se pode fazer passar uma recta toda incluída na superfície ENRIC VIVES-RUBIO
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superfícies em que pode ver-se que contêm algumas rectas Oxana Ianin
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Maqueta do Pavilhão dos Raios Cósmicos, de Felix Candela (Cidade do México, 1951): tem a forma de sela dupla e aqui evidencia-se a estrutura "regrada" desta superfície, onde em cada ponto passa pelo menos uma recta ENRIC VIVES-RUBIO
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Modelo de superfície com múltiplas “singularidades”: zonas onde a superfície se estreita e reduz a um único ponto ENRIC VIVES-RUBIO
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Modelo dinâmico manipulável que ilustra a superfície obtida por rotação de uma parábola (uma parabolóide) ENRIC VIVES-RUBIO
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Dois cones de Apolónio, que podem ser decompostos para ilustrar a obtenção das diferentes cónicas: a elipse, a parábola e a hipérbole ENRIC VIVES-RUBIO

Mostrar, de um modo muito visual, a relação forte que a matemática tem com o nosso dia-a-dia é o que se propõe a exposição Formas e Fórmulas, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa. Produzida em Portugal e há mais de um ano e meio de portas abertas, esta exposição recebe mil visitantes por mês, em média, e continuará pelo menos até Março. Espera-se que vá para o Porto ainda este ano e já cativou o interesse de instituições na Alemanha e em Itália.

Formas e Fórmulas propõe-nos “ver a matemática que existe à nossa volta e reconhecer, nas formas das plantas ou nos edifícios da cidade, as linhas e as superfícies descritas por fórmulas matemáticas”, afirma José Francisco Rodrigues, professor do Centro de Matemática e Aplicações Fundamentais da Universidade de Lisboa e um dos três comissários desta exposição (aberta de terça a sexta-feira das 10h às 17h e aos sábados e domingos das 11h às 18h).

No espaço de três salas, o público fica a saber que a superfície encurvada da batata “pala-pala” pode ser descrita nas três coordenadas cartesianas pela simples equação z = y2 - x2. Aprende também que a curva definida por uma equação de 2º grau, a parábola, é o que têm em comum a Ponte 25 de Abril, uma antena parabólica e os faróis de um automóvel.

“Há uma ligação da matemática com a realidade e que, em geral, as pessoas desconhecem”, sublinha Suzana Nápoles, professora no mesmo centro de investigação e também comissária da exposição.

Para o provar, há as imagens de edifícios e pontes, cuja estabilidade estrutural está assente no rigor matemático. Também na arquitectura as possibilidades formais oferecidas pela geometria foram materializadas nas muitas obras que ilustram esta exposição. Um exemplo é a catedral de Brasília, da autoria de Oscar Niemeyer, inspirada na superfície que, em matemática, se designa por “hiperbolóide de uma folha”.

Colecção notável do século XIX
Na primeira sala, dedicada às linhas curvas já conhecidas pelos gregos da Antiguidade, os mais novos podem desenhar elipses segundo o método do jardineiro (utilizado pelos jardineiros para desenhar canteiros, daí o seu nome). Ou jogar uma espécie de minigolfe com a curvatura de uma parábola.

A segunda sala é mais enigmática. Aqui, os focos de luz guiam o olhar para objectos exóticos expostos em vitrinas. Frente a frente estão duas colecções distanciadas no tempo por mais de um século. Uma é um conjunto de modelos de braços manipuláveis e feixes de fios que permitem visualizar e modificar superfícies descritas por equações de 2º grau e as suas intersecções. Apesar de serem superfícies curvas, podem ser geradas pelo movimento de uma recta e são por isso designadas de “superfícies regradas”: em todos os seus pontos, passa pelo menos uma recta que pertence à própria superfície. Estas rectas são fáceis de visualizar nos fios que constituem estes modelos.

Construídos pelo matemático francês Théodore Olivier no século XIX, estes modelos foram adquiridos pela então Escola Politécnica de Lisboa, que ocupava o edifício do actual museu. Segundo Suzana Nápoles, trata-se de “uma colecção rara pela beleza, pela qualidade dos materiais e dos pormenores e pela quantidade”. Ao todo, são 22 modelos, dos quais apenas alguns estão nesta exposição.

“As exposições de matemática modernas raramente expõem objectos antigos, preferindo as novas tecnologias”, diz o matemático alemão Oliver Labs, também comissário desta exposição e autor do projecto MO-Labs, com o qual contribuiu com outras peças presentes na segunda sala. “Os poucos objectos deste género que ainda existem no mundo não são tão belos como os desta colecção portuguesa, e por isso quase nunca são exibidos.”

Produto de tecnologia do século XXI e da autoria de Oliver Labs, através do seu projecto MO-Labs, esta colecção que transporta o visitante para o universo das equações de 3º grau. São duas filas de pequenas folhas beges, complicadas mas elegantes, feitas de um material plástico e impressas tridimensionalmente. Expostas agora pela primeira vez, elas ilustram o conjunto das 45 formas típicas de superfícies não regradas, definidas por equações de 3º grau (uma superfície diz-se não regrada quando num dos seus pontos não é possível fazer passar uma recta toda ela incluída na superfície; uma esfera é uma superfície não regrada). Trata-se de facto da concretização de uma investigação matemática de 1987 e só possível de ser representada graças à vulgarização desta tecnologia de impressão 3D.

Nas palavras do autor, esta colecção “reflecte e ilustra o conteúdo de um artigo científico em matemática”, acrescentando: “São objectos elegantes, mas também com interesse matemático.” Mas além do interesse matemático, o texto que acompanha estas formas revela o seu interesse estético e prático, pois estas superfícies são utilizadasno “design” e na concepção de peças de automóvel.

Na mesma sala encontram-se outros objectos de maiores dimensões produzidos também pela impressão em 3D a partir das equações matemáticas que os descrevem. Seria fácil imaginá-los num filme de ficção científica, ou como modelos de edifícios de arquitectura futurista, mas são superfícies definidas por equações de grau superior a três.

Ao lado, um conjunto de cubos de vidro parece aprisionar figuras frágeis. São de facto frágeis, insustentáveis como objectos, e por isso representadas desta forma, num vidro muito transparente, quase como um objecto de joalharia, onde foram gravadas a laser. Segundo Oliver Labs, estamos também perante produtos de investigação recente em matemática, neste caso o estudo das partes onde a superfície se estreita e se reduz a um único ponto, as chamadas “singularidades”. “Estes modelos mostram que há ainda matemática que é desconhecida, que precisa de ser feita.”

Peddy-papers para escolas
Por fim, a última sala oferece ao visitante um espaço de exploração digital, onde um conjunto de módulos interactivos permite aprofundar os conteúdos da exposição. O visitante pode escrever as suas próprias equações e visualizar a superfície resultante. São também abordadas, por exemplo, a cartografia e a mareação, temas relacionados com a geometria elíptica, de que a superfície da Terra é um exemplo real.

Muito mais há para aprender à volta desta exposição. Com esse objectivo, têm sido realizadas visitas guiadas e diálogos com especialistas sobre design, biologia ou acústica.

As escolas podem também marcar com o museu a realização de peddy-papers, em que grupos de alunos irão explorar a exposição, guiados por uma lista de questões a que deverão tentar responder. Para quem queira saber mais e complementar o que viu, há ainda o site da exposição e o catálogo.

 
 
 

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