Críticas à avaliação da FCT mantêm-se apesar de dez centros terem sido repescados

Avaliação é considerada pouco séria pelos avaliados. “Fez-nos perder tempo e energia incalculáveis” e devia ser “deitada fora”, diz o presidente de um dos centros que passou agora, depois de inicialmente ter chumbado. “Não está a ser justa e objectiva”, defende o director de outro centro também recuperado.

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Há agora 178 centros científicos a disputar dinheiro para despesas de funcuinamento Miguel Manso

A avaliação em curso aos 322 centros de investigação portugueses, que muita tinta tem feito correr, teve outro desenvolvimento: os resultados dos recursos de 131 laboratórios científicos, descontentes com as suas classificações na primeira fase do processo, revelam que dez deles foram repescados e vão assim passar à fase seguinte, em que estarão em jogo as fatias grossas do dinheiro para despesas de funcionamento nos próximos cinco anos. Apesar desta alteração, divulgada quinta-feira à tarde, as críticas de fundo ao processo de avaliação conduzido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) mantêm-se.

O físico Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, tem sido uma das vozes mais sonantes contra a forma como esta avaliação está a ser feita. Isto porque pouco depois do anúncio dos resultados da primeira fase da avaliação, no final de Junho – em que cerca de metade dos centros não passou à fase seguinte, pelo que pouco ou nenhum dinheiro iriam receber –, soube-se que a FCT tinha definido uma quota prévia de 50% de eliminações logo na primeira parte do processo.

Por isso, para Carlos Fiolhais os resultados das reclamações não mudam em nada o problema de fundo: “Esta avaliação não é séria. Não é por terem sido recuperados dez centros que a avaliação passa a ser séria. Não é! Isto já era mau e não passou a ser bom.”

Uma das dez unidades agora repescadas foi o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do ISCTE, em Lisboa. Antes da reclamação, a sua nota na primeira fase foi Bom – por isso, ficou pelo caminho, uma vez que só os centros com Muito Bom, Excelente e Excepcional é que passaram. Agora a nota foi revista para Muito Bom.

“Estou parcialmente satisfeito”, diz ao PÚBLICO o director do CIES, o sociólogo João Sebastião. “Continuo muito preocupado com a forma como a avaliação está a ser feita. Não está a ser justa e objectiva.”

Qual foi a argumentação para a nova nota? “O que antes [os avaliadores] tinham dito que era negativo transformou-se em positivo”, responde o sociólogo. Exemplos? “Os estudos das desigualdades sociais e das migrações, que antes eram uma falha grave da nossa parte – os avaliadores diziam que era um assunto esgotado –, foram reconhecidos pelo painel como inovadores a nível nacional e internacional.”

Entre as preocupações de João Sebastião está a fraca qualidade dos avaliadores estrangeiros, contratados pela European Science Foundation (ESF), à qual a FCT encomendou a avaliação mediante contrato.

“As variações gigantescas de qualidade dos vários intervenientes deixam uma grande instabilidade”, começa por dizer o sociólogo, acrescentando que os 50% de cortes das unidades na fase inicial, “independentemente do mérito”, é “inaceitável”. “É anticientífico e contra qualquer processo de avaliação correcto”, considera. “Esta avaliação está a destruir uma parte importante do património científico. Há equipas de investigadores, que levaram décadas a construir, que vão ser desestruturadas.”

Por tudo isto, na opinião de João Sebastião só há uma saída: “A única coisa justa para a ciência portuguesa é suspender o processo de avaliação, independentemente de termos passado ou não à segunda fase, pela forma como foi organizado e pela qualidade da avaliação.”

Também Carlos Salema, presidente do Instituto de Telecomunicações (IT), outro dos dez centros que passaram à segunda fase depois de ter sido inicialmente chumbado, critica o processo: “A avaliação foi mal feita, não foi séria e fez-nos perder tempo e energia incalculáveis”, diz ao PÚBLICO. E deveria “ser pura e simplesmente deitada fora, para se fazer tudo outra vez”. “Os argumentos que deram para justificar a [nova] nota não me convenceram minimamente.”

Por agora, António Cruz Serra, reitor da Universidade de Lisboa, não quer pronunciar-se sobre o resultado dos recursos enquanto não ler os relatórios dos revisores. Sobre a avaliação, cuja anulação no entanto não defende, comenta apenas: “Já disse que o processo foi mal conduzido. A minha opinião é crítica, não ao princípio geral, mas nomeadamente à constituição dos painéis com gente com pouca qualidade.”

Contundente, Carlos Fiolhais diz que tanto o presidente da FCT, Miguel Seabra, como o ministro da Ciência, Nuno Crato, que tutela aquela fundação financiadora da ciência portuguesa, não podem desmentir o que está escrito no contrato com a ESF. O que lá está é: “A primeira fase da avaliação irá resultar numa ‘shortlist’ de metade das unidades de investigação que serão seleccionadas para seguir para a fase 2.”

Os responsáveis do Ministério da Ciência têm argumentado que o valor dos cortes na fase inicial era apenas uma estimativa baseada em avaliações anteriores, o que Carlos Fiolhais rebate: “Miguel Seabra mentiu, o ministro mentiu. E, já agora, é uma má ideia chumbar metade das unidades.”

Mais, o físico defende que a questão das quotas não é a única. “A FCT não seguiu as regras que ela própria estabeleceu: o número de avaliadores foi menor do que estava escrito. E a avaliação foi feita por pessoas com um currículo médio, não especialistas, com conflitos de interesse e desconhecendo a realidade da investigação portuguesa. Estamos a chamar árbitros da segunda liga para jogos da primeira liga, que expulsam equipas inteiras sem motivo.”

Indo aos números, a primeira fase da avaliação deixou pelo caminho 154 centros (48%), entre os 322 avaliados. Entre os 154 centros, havia 83 que tinham tido Bom (agora com as reclamações são 81), o que ainda lhes valeria algum financiamento, ao contrário das restantes com Razoável e Insuficiente. Assim, à segunda fase tinham passado 168 centros.

Após as reclamações, há agora 178 centros (55,2%) na segunda fase, enquanto 144 (44,7%) ficam para trás. Esta avaliação ditará o financiamento anual dos centros para despesas de um bolo de cerca de 50 milhões de euros por ano. Na lista das dez unidades recuperadas está ainda o Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Económica (Cemapre), em Lisboa, onde o ministro Nuno Crato, matemático de formação, trabalhava. Os resultados finais estão previstos para Dezembro. Com Ana Gerschenfeld
 
   

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