Uma Europa à direita é uma Europa menos verde

Quando a ONU assinala uma janela estreita de dois anos para uma crise planetária sem precedentes, é lamentável ver ambições ecológicas postas de lado a favor de conveniências políticas de curto prazo.

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Nas últimas duas décadas, a União Europeia exerceu um peso determinante na batalha global contra as alterações climáticas. Assumindo um compromisso resoluto com políticas assentes em evidências científicas, a UE tem vindo a fixar objectivos promissores que moldaram a trajetória dos esforços internacionais neste domínio crítico.

O Pacto Ecológico Europeu marca o primeiro compromisso público mundial no sentido de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em pelo menos 55% até 2030, em comparação com os níveis de 1990. Recentemente, em fevereiro, a Comissão Europeia apresentou uma meta ainda mais ambiciosa, propondo uma redução de 90% das emissões líquidas de GEE até 2040 - feito ímpar em relação a qualquer outra potência mundial. No entanto, esta ambição poderá em breve desabar com a iminência das eleições para o Parlamento Europeu.

Nos últimos meses, temos assistido a uma verdadeira epidemia de populismo de direita a varrer os vários Estados-membros europeus, com Portugal marcado pelo crescimento da estirpe Chega. Tradicionalmente, as facções políticas desse espectro político apresentam uma maior resistência às iniciativas ditas “verdes”, desvalorizando-as ou mesmo negando-as e enquadrando-as como ameaças à estabilidade económica e laboral com grande facilidade e frequência.

Foi precisamente essa a tática adotada por figuras como Marine Le Pen no meio da recente vaga de manifestações de agricultores por toda a Europa. Quando a líder do Rassemblement National subiu a bordo de um trator, a sua intenção não era a de ir plantar batata, mas sim capitalizar estrategicamente as preocupações da comunidade agrícola para desafiar as políticas da agenda verde europeia. E as repercussões destas manobras calculadas foram substanciais.

Bruxelas cedeu em várias frentes. Entre as mais recentes, contam-se o abandono dos planos para reduzir para metade a utilização de pesticidas, a redução das emissões provenientes da agropecuária e o compromisso de restaurar a natureza em 20% das terras e mares da Europa.

Mas é justamente aqui que a estratégia de extrema-direita é particularmente bem-sucedida: ao exercer pressão sobre os governos em exercício e os partidos políticos tradicionalmente pró-ambientais, coage-os a reavaliar as suas estratégias por receio de perderem o apoio popular. Esta tendência é evidente na Alemanha e em França, onde Olaf Scholz e Macron abandonaram vários projectos de lei fundamentais em matéria climática, optando por satisfazer as exigências da extrema-direita, minando assim ainda mais a essência do Pacto Ecológico Europeu.

O Conselho Europeu de Relações Exteriores já assinalou a possibilidade crescente de formação de uma coligação entre democratas-cristãos, conservadores e facções políticas de extrema-direita, que poderá culminar numa maioria de direita no Parlamento. A concretizar-se, este cenário poderá ser, de facto, o último golpe no enfermo Pacto Ecológico.

Para as nações europeias, tal significaria numerosos retrocessos, abrangendo a saúde dos ecossistemas, o bem-estar público e sobretudo a resiliência económica. A UE deu passos assinaláveis no domínio da energia limpa, da agricultura sustentável e das tecnologias verdes, através de avultados investimentos na transição para um futuro de baixas emissões de carbono.

Uma reversão destes esforços poderá comprometer a segurança energética europeia, impedir um crescimento de emprego e asfixiar a inovação nestes sectores críticos. Se a extrema-direita considera que o custo da transição ecológica é um fardo pesado, fá-lo optando por ignorar a fatura de deixar as coisas como estão - um custo de 20% do PIB mundial até 2050.

Mas as consequências de tal resultado repercutir-se-iam muito para além das fronteiras da Europa. A UE e o seu Pacto Ecológico Europeu são um verdadeiro farol de gestão ambiental e climática a nível mundial. O seu abandono não só prejudicaria os esforços de mitigação das alterações climáticas, como também poderia criar um precedente desencorajador para a colaboração internacional nesse domínio.

Dada a contribuição significativa da Europa para as emissões globais, o facto de não honrar compromissos ambientais ambiciosos poderá asfixiar quaisquer iniciativas internacionais, ameaçando o cumprimento dos objectivos do Acordo de Paris e exacerbando os severos impactos das alterações climáticas nas comunidades mais vulneráveis por todo o mundo.

Perante o urgente apelo das Nações Unidas, que assinala uma janela estreita de dois anos para uma crise planetária sem precedentes, é lamentável ver ambições ecológicas serem postas de lado em favor de conveniências políticas de curto prazo. Entre as correntes turbulentas da mudança política e a maré crescente da urgência climática, os líderes moderados devem abster-se de ceder terreno e reivindicar corajosamente a causa ambiental com o mesmo fervor com que os populistas se lhe opõem, pois essa continua a ser a vontade da maioria dos europeus.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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