Levar a água de Alqueva para o Algarve: impacto ambiental em discussão pública

Barragem de Odeleite vai receber água do rio Guadiana com a ajuda de uma torre de 42 metros e uma conduta adutora com cerca de 41 quilómetros de extensão.

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Regime de funcionamento da captação prevê a bombagem de água do Guadiana para a barragem de Odeleite, durante sete meses por ano, entre Outubro e Abril GettyImages
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O projecto que prevê a instalação de uma captação de água, com origem em Alqueva, na zona estuarina do rio Guadiana e na proximidade da povoação de Mesquita, a cerca de dois quilómetros a montante do Pomarão, já tem o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) concluído e em discussão pública até ao dia 29 de Abril.

Na informação disponível no portal Participa (www.participa.pt), o EIA propõe a construção de uma torre de tomada de água que ficará com uma altura próxima dos 42 metros, a partir da qual se desenvolverá uma conduta adutora gravítica que vai transportar a água captada no Guadiana até à albufeira de Odeleite, no concelho de Castro Marim, no Algarve.

São propostos no projecto três traçados alternativos para a conduta adutora que percorre os concelhos de Mértola, Alcoutim e Castro Marim numa extensão que varia entre os 29 e 41 quilómetros. E o regime de funcionamento da captação prevê a bombagem de água para a barragem de Odeleite, durante sete meses por ano, entre Outubro e Abril, parando “nos meses excepcionalmente secos” ou “quando, em acumulado, desde o início do ano hidrológico, for atingido um total anual de 30hm3”.

A água será recolhida num ponto onde o caudal do rio Guadiana já não sofre a influência da cunha salina. O volume a captar para o sistema Odeleite-Beliche, que serve de origem de água para abastecimento urbano ao sistema multimunicipal do Algarve e para rega ao Sotavento algarvio será de 2m3/s durante quatro meses, e de 1m3/s durante outros três meses do ano.

O EIA explica que o volume a captar corresponde, “no máximo, a metade da diferença entre o caudal que circula no troço do Guadiana frente ao Pomarão e o regime de caudal ecológico estabelecido para esta secção”.

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A aldeia do Pomarão fica no concelho de Mértola Rui Almeida/GettyImages

Mais 1400 hectares de área regada no Sul

Os principais impactos transfronteiriços do projecto descritos no EIA traduzem-se na afectação do estado ecológico nas massas de água do estuário do Guadiana, na alteração da qualidade da água nas massas de água das albufeiras de Odeleite e de Beliche, na alteração de habitats e das comunidades biológicas, no efeito barreira e fragmentação de habitats e na disseminação de espécies exóticas invasoras aquáticas nas massas de água. "Mesmo assim, os principais impactos negativos potenciais do projecto são minimizáveis e pouco significativos se aplicadas as medidas previstas no EIA.”

Mas para além dos impactos já realçados, o presidente da EDIA, José Pedro Salema, já por mais de uma vez assinalou ao PÚBLICO as consequências do transvase de Alqueva para a barragem de Odeleite. “A manta é curta. Ou tapa os pés, ou tapa a cabeça. Se vai para um lado, vai faltar a alguém.”

O Plano Regional de Eficiência Hídrica (PREH) para a região do Algarve e publicado em 2020 reconhece que os modelos climáticos têm vindo a indicar que o Sul de Portugal “tenderá a tornar-se cada vez mais seco, sendo previsível que as situações de stress hídrico tenham tendência para aumentar na região do Algarve”.

Acresce ainda que “nos últimos cinco anos hidrológicos, e em termos de águas superficiais, o armazenamento total oscilou entre 60% e 80%”. E com o aumento do consumo de água nos últimos anos, “a precipitação verificada não tem sido suficiente para gerar afluências, de modo a permitir atingir o nível pleno de armazenamento das albufeiras existentes”, acentua o PREH. Mesmo assim, o documento faz referência à instalação de novos aproveitamentos hidroagrícolas e avança uma meta: mais 1400 hectares de área regada.

A solução preconizada pelo PREH passa pela procura de novos pontos de água: construção de um açude/barragem na ribeira da Foupana para posterior captação e adução de água à albufeira da barragem de Odeleite (volume entre 15 e 20hm3) e construção de um açude na ribeira de Monchique para captação das afluências e adução de água à albufeira da barragem de Odelouca (volume de cerca 15hm3).

Prevê-se ainda a realização de um estudo para a avaliação de viabilidade da construção de uma barragem na Ribeira de Alportel (capacidade de cerca de 10hm3) e também elaboração de um estudo prévio para a captação de água na albufeira da barragem de Santa Clara em Odemira, empreendimento que assegura o regadio das culturas do Perímetro de Rega do Mira (capacidade de cerca de 15 a 20hm3).

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Rui Almeida/GettyImages

Neste âmbito, a Águas do Algarve S.A. pretende analisar a solução que passa por uma captação de água no canal de rega do Mira (Rogil) que seria destinada ao Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento do Algarve.

Da água que sai da barragem de Santa Clara, estima-se que cerca de 20 milhões de metros cúbicos se perca, devido a fugas ou evaporação nos canais de distribuição, ou porque a água que chega ao final da linha é lançada ao mar, uma vez que não existe um sistema de retorno.

Mas enquanto estas propostas não se materializam, é de Alqueva que a água terá de vir. Pedro Salema insiste: se a captação que vai ser instalada no Pomarão “exigir a libertação de caudais adicionais", para além do volume de caudal lançado para cumprir o caudal ecológico no troço do internacional do rio entre o antigo porto mineiro do Pomarão e Vila Real de Santo António, fica mais dificultada a gestão da água armazenada em Alqueva. Até porque os espanhóis de Huelva já reclamam, há vários anos, que Portugal aceite transferir 75hm3 para assegurar o regadio, o turismo e o consumo humano na região do Sul de Espanha.

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