Acento Coffee: os russos que trouxeram para Lisboa a sua paixão pelo café

Numa cidade onde, acredita Sasha, um dos sócios deste espaço no Saldanha, há muito espaço para o café de especialidade crescer, a Acento aposta no trabalho com as torrefacções nacionais.

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Os cafés podem ser provados na loja ou comprados embalados para levar dr
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A Acento é uma pequena cafetaria, projecto de russos apaixonados por café de especialidade, que abriu há cerca de um ano junto ao Saldanha, em Lisboa. Mas a história começa muito antes, noutro tempo e noutra cidade: Moscovo, 2013. Foi por essa altura, que, conta-nos Sasha Zalessky, um dos sócios, se deu a revolução do café de especialidade na Rússia.

“Quando esta nova cultura chegou a Moscovo, espalhou-se muito rapidamente”, recorda, enquanto recomenda que provemos o flat white da casa. “Antes não tínhamos o hábito do café como vocês têm aqui em Portugal, com uma pastelaria em cada esquina.” Até aí, os russos eram muito mais consumidores de chá, mas a moda do café pegou e Sasha, depois de uma viagem inicial a Berlim, dedicou-se a aprender cada vez mais.

“Quando, em Berlim, visitei uma casa de café de especialidade, dei o primeiro golo e apercebi-me que não era o gosto do café que eu conhecia, era algo diferente.” A partir daí começou a sua viagem de descoberta por este mundo. Até que a guerra na Ucrânia veio interromper-lhe os planos e levou à decisão de sair da Rússia e mudar-se para Portugal, em 2022.

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No pequeno Acento cabe muito café e não só dr

Chegado a Lisboa, encontrou uma cidade que em termos de cultura de café de especialidade “faz lembrar Moscovo há dez anos”. “Tinha aqui amigos que me deram alguns conselhos, disseram-me que as coisas ainda não estavam tão desenvolvidas em termos desta cultura do café, talvez por ser esta parte mais ocidental da Europa e o que faz com que demore mais para as coisas chegarem.”

Mas teve boas surpresas. Procurou o que havia no universo da torrefacção e encontrou algumas marcas portuguesas de que gostou muito e com as quais decidiu que queria trabalhar. O que distingue o Acento, diz, é precisamente só trabalhar com marcas de torrefacção portuguesas como a SO Coffee e a Senzu, ambas do Porto, e a Olisipo e a Sargento Martinho, de Lisboa — os cafés podem ser provados na loja ou comprados embalados para levar. “Queremos ser parte disto, desenvolvermo-nos juntos e fazer parte deste mercado. Se queremos isso, temos de nos apoiar uns aos outros, como acontece com o vinho natural.”

O que procura no trabalho de uma torrefacção é, explica, o sabor e o estilo da torra. “A palavra especialidade refere-se à qualidade dos próprios grãos de café. Este tipo de café é geralmente mais caro porque os produtores investem muito mais tempo e mais atenção a tratar as plantas e têm de saber que, no final, há quem esteja disposto a pagar mais por boa qualidade.”

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A importância dos roasters tem muito a ver com isso — oferecem ao produtor a garantia não só de que vai escoar o seu produto como de que lhe será pago um preço justo por ele. Depois vem o trabalho da torra. “Cada roaster é como um chef que pode cozinhar a carne de diferentes maneiras. Fizemos encontros com os roasters, experimentámos vários cafés de diferentes países e escolhemos os que queríamos oferecer aos nossos clientes.”

A partir daí, muito está nas mãos do barista, que é uma figura importante numa cafetaria de cafés de especialidade. É ele quem pergunta aos clientes que tipo de perfil lhes agrada mais e quem os aconselha. É o que acontece na Acento, onde, para além do café, há também chá da marca Chá Camélia, de Fornelo, no Minho.

Os 32m2 foram inteligentemente aproveitados num projecto do atelier de arquitectura xxxi Studio, que permite até alguns lugares sentados, seja no pequeno balcão de parede cor de laranja, seja na mesa para dois junto à janela (há também algumas mesas no exterior).

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Da Sargento Martinho - Torrefatora Lisboeta dr

Além dos tradicionais flat white, cappuccino e latte (Sasha explica que há uma diferença entre o leite na Rússia, que tem mais gordura, e o leite em Portugal, pelo que a sua preferência vai para o equilíbrio que acredita ser melhor no flat white), há bebidas mais indicadas para o Verão, como o bumble, que junta café expresso e sumo de laranja. E por trás delas estão “as melhores máquinas do segmento: o moinho de café Mahlkonig e a máquina de café La Marzocco”. Há ainda sanduíches e bolos para acompanhar as bebidas e uma selecção de vinhos naturais. E, muito importante, é um espaço amigo dos animais, pelo que o cão, aqui, não fica à porta.

O café na Rússia, um país de chá

Se é certo que a Rússia é sobretudo um país de chá, há uma história ligada ao café que começa bem antes da revolução do café de especialidade do século XXI. Já no início do século XVIII, na corte do czar havia quem bebesse café, revela um artigo do site Russia Beyond, segundo o qual a primeira menção a café data de 1665, altura em que a bebida foi receitada ao czar Alexei Mikhailovich como medicamento.

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Alguns anos depois, em 1697, Pedro o Grande viajou até Amesterdão e descobriu os encantos do café. Conta o artigo que o entusiasmo do czar levou a que a Holanda começasse a exportar café para a Rússia, mas o seu consumo limitava-se apenas às classes mais altas — que procuravam assim agradar ao czar apesar de “acharem a bebida intoleravelmente amarga”.

O consumo só chegou às classes populares no início do século XIX durante a guerra que envolveu a Rússia, a Áustria e a França, quando as tropas russas viram, com curiosidade, os austríacos a consumir café. Segundo o Russia Beyond, os soldados russos “ficaram viciados” na bebida que baptizaram como ‘kava’ e que, no início, bebiam à colher a partir de pratos de sopa. Mas, apesar do entusiasmo de alguns — nomeadamente o líder soviético Leonid Brezhnev (1964-1982) —, o café nunca suplantou o chá como bebida de eleição na Rússia.

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