Projecto para criar uma paragem “bio” no Martim Moniz vence Novo Bauhaus Europeu

Das três iniciativas portuguesas nos prémios Novo Bauhaus Europeu, duas foram premiadas. Já no 9.º Fórum da Coesão falou-se sobre a necessidade de não deixar ninguém para trás na transição ecológica.

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Imagem ilustrativa da bioparagem no Martim Moniz que consta da descrição do projecto DR
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O projecto português para criar uma paragem de eléctrico no Martim Moniz, em Lisboa, a partir de micélios – um organismo vivo capaz de decompor matéria orgânica e criar um material sustentável para arquitectura – venceu na sexta-feira um prémio Novo Bauhaus Europeu (NEB), na edição de 2024, que decorreu em Bruxelas. Em segundo lugar na mesma categoria de “Estrelas em ascensão”, que premiou jovens com menos de 30 anos, ficou o projecto português que prevê a construção de um parque urbano e um centro de tratamento de águas em Lisboa.

O projecto da paragem de eléctrico sustentável, chamado UrbanMYCOskin, vai além do design de “uma mera paragem” de transportes públicos, lê-se na descrição do projecto. A utilização de organismos vivos na estrutura da estação permite criar uma zona natural, que também serve de sombra e de espaço com menos ruído no centro da cidade – atraindo ainda a atenção de quem por lá passa. A ideia é utilizar estes micélios para transformar resíduos comuns em cidades, como os têxteis, e criar um material sustentável que pode ser usado na arquitectura. Este material transformado é biodegradável.

Esta proposta de design biointegrado quer “criar paisagens urbanas vivas e resistentes ao clima”, numa lógica de economia circular e reaproveitamento de resíduos, criando também um espaço de biodiversidade que pode ajudar a cidade a lidar com as temperaturas elevadas. O prémio vem acompanhado de um “cheque” de 15 mil euros.

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Ilustração da bioparagem do eléctrico 28 no Martim Moniz, presente no portefólio do projecto DR

O projecto assenta na ideia de criar um “futuro mais verde e fresco” e foi desenvolvido por Rita Morais, Natalia Piorecka e Jennifer Levy, que se mostraram entusiasmadas para continuarem a trabalhar na proposta e para a aplicarem na estação do eléctrico 28, tentando também envolver a comunidade.

Ao PÚBLICO, as autoras do projecto confessam que "o grande desafio para o Urban MYCOskin foi lidar com as complexidades de integrar um material criado por um organismo vivo, micélio, em elementos funcionais, tendo ao mesmo tempo em consideração o impacto ambiental da estrutura. Criar um sistema que aproveitasse os ciclos naturais de crescimento e decomposição do micélio para estruturas urbanas foi desafiador e envolveu um processo detalhado de pesquisa científica".

Vencer o prémio foi também uma grande motivação para continuarem a trabalhar na iniciativa, explicam as participantes. "Vencer o prémio deu-nos uma grande motivação para continuar a alargar os horizontes deste projecto. Este reconhecimento deixa-nos com uma forte vontade de continuar a desenvolver o projecto Urban MYCOskin e, através deste, criar um impacto ambiental e social positivo".

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A cerimónia de entrega dos prémios Bauhaus Christophe Licoppe

A participação na competição foi também uma oportunidade para darem a conhecer mais sobre as potencialidades dos organismos vivos serem úteis para a arquitectura e o design. "É gratificante ver o potencial dos biomateriais da colaboração entre designers e organismos vivos ganharem maior expressão. Isto abre tremendas oportunidades para aplicações futuras e o crescimento do campo, destacando a crescente importância das soluções biointegradas na arquitectura contemporânea".

Os próximos passos passam por alargar os protótipos para "aplicações urbanas de maior dimensão". "Estamos a procurar activamente parcerias com cidades, promotores urbanos, decisores políticos e indústria para facilitar a aplicação prática das nossas soluções integradas em cidades de todo o mundo. Tencionamos expandir os nossos esforços de colaboração e melhorar as nossas técnicas de fabrico, desenvolvendo e alargando a nossa investigação de modo a incluir uma análise mais abrangente do ciclo de vida para compreender melhor o nosso impacto ambiental", explicam as vencedoras dos prémios NEB.

Um parque urbano

Já o projecto “Hydroscape Lisbon” ficou em segundo lugar na categoria “Reconectar com a natureza” e na vertente das “Estrelas em ascensão”. Desenvolvido por Ioulia Voulgari, o projecto consiste “na concepção de um parque urbano e de um centro de tratamento de águas”, numa extensão de 14 quilómetros em Lisboa, na zona actualmente ocupada pelo porto de Lisboa.

A ideia da estudante de arquitectura explora de que forma “pode a água actuar como uma futura ferramenta para combater as alterações climáticas”, criando-se também um novo espaço verde público em Lisboa. Ao mesmo tempo, promove a mobilidade sustentável ao ter uma rede ciclável, acesso a transportes públicos e espaços para caminhar – com o objectivo de recuperar a relação entre Lisboa e o rio Tejo, muitas vezes interrompida pelas linhas de comboio e pelas estradas, diz a autora.

A comissária europeia para Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, afirmou na entrega dos prémios que o objectivo dos NEB é “reconhecer e dar visibilidade a estes projectos pioneiros”, bem como “potenciar talentos, apoiar os jovens e fazer parte da construção de um mundo melhor”. Ganhando ou não, “estão a oferecer algo melhor ao mundo”.

Ao todo, estavam a concurso três projectos portugueses na cerimónia que decorreu no Museu de Arte e História de Bruxelas, mas só estes dois ficaram entre os 20 galardoados.

Na categoria “Recuperar o sentido de pertença”, na vertente “Campeões”, era também finalista o projecto “The wool cycle in Barroso” de Paula Oliveira, com a finalidade de recuperar o ciclo da lã até à elaboração do burel. Para isso, a participante percorreu as aldeias do Barroso para aprender com idosos e a comunidade local. O projecto foi desenvolvido de 2018 a 2020 e é continuado numa oficina têxtil, que recria todo o ciclo da lã. Segundo a descrição da iniciativa, “este projecto permitiu recuperar práticas e saberes relacionados com os processos de produção artesanal da lã, valorizar as comunidades locais e potenciar a identidade do território”.

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Em Bruxelas estiveram presentes a comissária europeia para a Inovação, Iliana Ivanova, o Primeiro-Ministro belga Alexander De Croo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a Comissária Europeia para a Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, e o Secretário de Estado belga para a Recuperação Económica, Thomas Dermine OLIVIER MATTHYS/EPA

A ideia mereceu elogios por parte da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no discurso de abertura do festival. “Através de um esforço colectivo que inclui todos – dos pastores às avós, dos decisores políticos às empresas locais – recriaram o ciclo da lã, uma economia circular sustentável”.

Este ano, os NEB tiveram uma novidade: incluíram a Ucrânia. No final da cerimónia, foi atribuído pela primeira vez um prémio dedicado à Ucrânia para reconstrução das infra-estruturas destruídas pela guerra. Os prémios também deram “destaque às regiões da UE que enfrentam constrangimentos socioeconómicos mais intensos e aos locais mais desafiados pela necessidade de evoluir para uma economia neutra em termos de carbono”.

Os prémios NEB são entregues desde 2021 e fazem parte do festival New European Bauhaus, um evento que pretende dar visibilidade a conceitos e projectos inovadores que incluem a sustentabilidade, a arte e a inclusão. Além disso, também se pretende incentivar a “geração mais jovem a desenvolver novos conceitos e ideias”. O festival decorreu de dia 9 a 13 de Abril no Parque do Cinquentenário e no museu de Arte e História Natural de Bruxelas.

Transição verde: de mãos dadas com as comunidades

Já no 9.º Fórum da Coesão, que decorreu a 11 e 12 de Abril em Bruxelas, a transição ecológica esteve em destaque numa altura em que “não há tempo para atrasos na agenda verde”. O último dia foi marcado por um debate sobre a “tripla transição” económica, digital e climática , que deve ser “uma âncora para a competitividade, o crescimento e a justiça social”.

No painel que juntou representantes políticos da Comissão Europeia e de diferentes países, concordou-se sobre a necessidade de se colaborar com a comunidade e estar atento às suas necessidades para ser possível alcançar uma transição ecológica com sucesso. Além disso, é preciso mostrar as novas oportunidades que a transição verde pode trazer para métricas como a qualidade de vida e os empregos.

“Não há tempo para pausas ou atrasos na agenda ecológica, porque isso pode vir a afectar-nos de uma forma muito mais prejudicial”, avisou a ministra espanhola para a transição ecológica,​ Teresa Ribera. A governante espanhola frisou que a transição verde e a transição digital representam “grandes oportunidades”, mas que é preciso encontrar diferentes estratégias para as trabalhar.

E realçou a importância da aproximação às pessoas. “Há pessoas que ainda pensam que estar em zonas rurais pode significar ser um cidadão europeu de segunda classe. Não podemos permitir isso. Temos de o combater”, sublinhou, defendendo a criação de novas oportunidades para as comunidades locais. Para isso, a transição ecológica faz parte da solução e não há espaço para cometer erros, diz.

O 9.º Fórum da Coesão acolheu durante dois dias em Bruxelas centenas de representantes das instituições europeias, cidadãos, membros de organizações não-governamentais e da academia para reflectir sobre o papel da coesão numa altura de mudanças não só climáticas, mas também tecnológicas e geopolíticas.

No discurso que antecedeu a conversa do painel, o comissário europeu para o Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, afirmou que as transições ecológica e digital trazem novas oportunidades de emprego, mas que devem ser geridas e orientadas na melhor direcção. O comissário afirmou ainda que a política de coesão “é a solidariedade europeia posta em prática” e que “não pode haver transição se os recursos não forem distribuídos de forma justa”.

Uma “crise existencial” alavancada pelas alterações climáticas

A ministra dos Fundos e da Política Regional da Polónia, Katarzyna Pełczyńska-Nałęcz, afirmou mesmo que “estamos a viver uma crise existencial” na Europa com as mudanças que enfrentamos, motivada pela crise e alterações climáticas, as guerras em curso e a crise democrática mundial. “Se tudo está a mudar, também devemos pensar em como mudar.” Para a ministra polaca, a transição ecológica “não pode ser implementada contra as pessoas”, sendo essencial não deixar que as pessoas pensem que “estão a ser deixadas para trás” nesta matéria.

Há vantagens e oportunidades que podem ser alcançadas através da transição ecológica, enumerou Pełczyńska-Nałęcz: “O desenvolvimento económico local e novos empregos, o aumento dos fluxos financeiros, o desenvolvimento de uma economia eficiente e com baixas emissões de carbono, o desenvolvimento tecnológico inovador, o aumento da segurança energética, e, naturalmente, uma melhor qualidade de vida para os cidadãos”. Por isso, é um passo fundamental fazer ver isso aos cidadãos europeus.

A presidente do Conselho Regional de Puglia, Loredana Capone, reforçou que os governos, administrações, entidades de investigação e universidades e os cidadãos são essenciais para compreender e projectar em conjunto o futuro da política de coesão e da transição ecológica.

A oradora falou na importância da reutilização, redução de resíduos e mobilidade sustentável no Pacto Ecológico. “Em que medida temos trabalhado na mobilidade sustentável? Quanto fizemos realmente para retirar os automóveis? Até agora, os investimentos que conseguimos utilizar para retirar os automóveis são os que provêm do Fundo de Coesão”, explicou, dando o exemplo da sua cidade.

“Se não há ecossistema, não há vida”

Numa conversa que ficou marcada por questões ambientais, económicas e sociais, como foi também o caso das preocupações com a crise da habitação, Katarzyna Pełczyńska-Nałęcz referiu que a transição ecológica tende a ser percepcionada como algo mau e perigoso graças à proliferação da desinformação, quer na Europa, quer fora da Europa.

Já Teresa Ribera acredita que, mesmo quando as pessoas se queixam da agenda ecológica, não significa que queiram parar o trabalho das instituições ou a prevenção: é antes uma chamada de atenção para que as instituições se aproximem das pessoas. “Uma transição ecológica de sucesso implica trabalhar de mãos dadas com as comunidades”, afirma.

A ministra espanhola para a Transição Ecológica, que tem no seu ministério a tutela dos desafios demográficos, referiu que é “preciso identificar como combinar as aspirações socioeconómicas de uma forma virtuosa com as políticas ecológicas e sociais”. “Assim que conseguirmos esta ligação, as pessoas vão compreender que, se não houver ecossistema, não haverá agricultura, não haverá vida, ou não haverá solo fértil. E se sentirem o compromisso e o empenho político de assegurar o futuro, isso funcionará.”


O PÚBLICO viajou a convite da Comissão Europeia


Texto editado por Claudia Carvalho Silva

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