Dependência do álcool quase quadruplicou em dez anos

O número dos dependentes de álcool que iniciaram tratamento em 2022 atingiu o valor mais alto dos últimos dez anos, segundo relatório do Sicad que traça o retrato do país em matéria de álcool.

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O consumo binge e a embriaguez entre os jovens atingiram o valor mais alto desde 2015 Paulo Pimenta
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A dependência alcoólica tem vindo a aumentar desde 2012 e “quase quadruplicou em dez anos”, aponta o relatório anual em que o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências ((Sicad) traça a situação do país em matéria de álcool. Em 2022, aumentou o “consumo binge” (agudo e descontrolado) e a embriaguez entre os jovens, tendo-se atingido o valor mais alto desde 2015, “em particular no grupo feminino”, revela ainda o relatório. A idade média de início dos consumos também diminuiu.

Neste cenário, não surpreende que tenha subido (pelo segundo ano consecutivo, aliás) o número de pessoas que iniciaram tratamento por problemas relacionados com o uso de álcool, “atingindo o valor mais alto dos últimos dez anos (sobretudo à custa dos readmitidos)”.

Contas feitas, o Sicad relata que mais de 13.800 utentes estiveram em tratamento no ambulatório da rede pública por problemas relacionados com o uso de de álcool. Daqueles, 4867 iniciaram tratamento em 2022 (num aumento de nove pontos percentuais face a 2021), sendo que 1546 eram readmitidos e 3321 novos utentes. Entre unidades de alcoologia e de desabituação da rede pública, houve 803 internamentos por problemas relacionados com o uso de álcool, a que acresceram 1231 internamentos em comunidades terapêuticas.

Mais internamentos por doenças associáveis ao álcool

Do mesmo modo, os internamentos hospitalares com diagnósticos atribuíveis ao álcool assumiram em 2022 o valor mais alto do quinquénio. “Assistimos ainda a evoluções negativas ao nível da mortalidade, com os óbitos por doenças atribuíveis ao álcool em 2020 e 2021 a serem os mais altos dos últimos dez anos”, aponta ainda o Sicad.

Em termos concretos, houve naquele ano 4538 internamentos hospitalares com diagnóstico principal atribuível ao consumo de álcool, “na sua maioria relacionados com doença alcoólica do fígado (67%) e dependência de álcool (21%). Neste caso, até houve uma descida face a 2021. Porém, se considerarmos os internamentos com diagnósticos secundários associados ao álcool, os valores dos últimos dois anos aumentaram até ao valor mais alto desde 2017. Os 39.182 internamentos em hospitais do continente enquadráveis nesta categoria representam 2,4% do total de admissões hospitalares.

Recuando a 2021, o relatório socorre-se de números do Instituto Nacional de Estatística (INE) que contabilizam 2526 óbitos por doenças atribuíveis ao álcool, “sendo os valores de 2020 e 2021 os mais altos dos últimos dez anos”. O número médio de anos potenciais de vida perdidos foi de 11,6 anos. “Foram atribuídos 107 óbitos a transtornos mentais e comportamentos devido ao uso do álcool e 668 a doença alcoólica do fígado, representando 4% e 26% dos óbitos por doenças atribuíveis ao álcool”, lê-se no documento.

Já em 2022, o Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) atribuiu 35 mortes, directamente ao excesso de álcool: uma diminuição de 15 pontos percentuais face ao ano anterior. Cerca de 49% destes óbitos foram positivos só para o álcool, e em 29% foram detectados álcool e medicamentos.

O agravamento da dependência alcoólica foi transversal a homens e mulheres, assumindo contornos mais preocupantes no intervalo etário entre os 35 e os 54 anos. Entre os jovens recém-chegados à maioridade, os “problemas relacionados com o consumo de álcool foram muito superiores nos últimos dois anos por comparação aos anos pré-pandemia”.

Sem destoar deste agravamento geral, os problemas sociais ou legais relacionados com o consumo excessivo de álcool, dos comportamentos que afectam o bem-estar e desenvolvimento das crianças à condução sob embriaguez, aumentaram em 2021 e 2022, “atingindo a maioria deles os valores mais altos do quinquénio”.

Fiscalização a menores

Os autores do relatório mostram-se preocupados com o facto de as bebidas alcoólicas continuarem a ser tão facilmente acessíveis por menores, sobretudo “num cenário em que vários indicadores apontam para retrocessos, como é o caso do início dos consumos em idades mais precoces e uma importante franja de menores continuar a adquirir bebidas alcoólicas em vários tipos de pontos de venda apesar de proibido por lei, sem que se observe um reforço do investimento na fiscalização nesta matéria”.

E recuperam assim uma reivindicação antiga dos responsáveis do Sicad, que têm vindo a defender o aumento do preço do álcool como forma de dissuadir o seu consumo. “Mantêm-se as estratégias regulatórias menos restritivas para as bebidas alcoólicas do que para outros produtos similares do ponto de vista da saúde pública, incluindo a falta de investimento numa política de preços, desvalorizando assim a potencial nocividade do consumo de álcool”, critica o relatório, cujos autores consideram que a subida dos preços do álcool é tão mais precisa quanto maior for o previsível impacto da crise inflacionista nos comportamentos adictivos.

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