Não aborreçam os animais
Satisfeita com a interacção que consegui com o macaco, voltei a apanhar a moeda e a atirá-la. Desta vez foi mais rápido, atirou-a com toda a força para fora. Eu estava deliciada com a brincadeira.
Ainda me estou a ver a entrar pelo portão verde-escuro, trazendo os meus pais pelas mãos, convicta de que era eu que os levava, um de cada lado, e não eles a mim, à visita anual ao Jardim Zoológico de Lisboa. Um dos pontos mais altos do meu ano, a par do Natal e do início das férias grandes.
Poucas coisas me entusiasmavam tanto como ir ver os animais e tentar chegar-lhes com amendoins que vinham num pequeno pacote comprado dentro do jardim. Também queria muito dar-lhes outras iguarias, como o meu próprio lanche, embora soubesse que era perigoso e proibido, mas não tão proibido como me diziam os meus pais, porque toda a gente, outras crianças e adultos, davam aos bichos toda a espécie de alimentos.
Um rapaz deu um Cornetto de morango a um gorila, que ficou encostado às grades a saborear as delícias do açúcar gelado, enquanto os pais do miúdo tiravam fotografias com a máquina de rolo e riam às gargalhadas. Também quis fazer o mesmo.
Quis dar o meu gelado a um dos outros gorilas que partilhavam a jaula. "Não se pode, só amendoins", disse-me a minha mãe. E eu, chateada por sentir que era a única criança que não podia alimentar os animais com coisas de que também eu gostava, afastava-me muda.
Perto da jaula dos chimpanzés, o amuo passou-me, perguntei se podia dar-lhes os amendoins. Atirei dois para uma jaula onde só estava um dos animais, sentado, sozinho, com um ar de aborrecimento profundo. Olhou para os amendoins a caírem dentro da jaula. Ignorou-os. Pois claro, devia estar fartinho de amendoins. Naquela altura toda a gente comprava amendoins para dar aos macacos.
Perguntei aos meus pais se podia atirar-lhe uma moeda, afinal a minha tentativa de interacção através dos amendoins tinha falhado, e era costume atirar-se moedas aos animais, vá-se lá saber porquê. Estávamos nos anos 80, também era costume fumar dentro dos carros com os filhos lá dentro, portanto, relativizemos os hábitos da época.
Os meus pais deixaram atirar uma moeda de cinco escudos para dentro da jaula do chimpanzé com cara de tédio. Olhou para a moeda quando tilintou no chão de cimento da jaula. Levantou-se com muita calma, apanhou-a e atirou-a para fora da jaula.
Satisfeita com a interacção que consegui com o macaco, voltei a apanhar a moeda e a atirá-la para dentro da jaula. Desta vez ele foi mais rápido, mal caiu dentro do seu espaço, atirou-a com toda a força para fora. Eu estava deliciada com a brincadeira. Fui apanhar a moeda devolvida e insisti em atirá-la novamente.
Desta vez, o chimpanzé olhou-me irritado. Agarrou rapidamente numa maçã apodrecida que estava no chão da jaula e atirou-a na minha direcção. Não me acertou por um triz. Os meus pais riram-se imenso. Eu não achei graça nenhuma, percebi que o macaco estava zangado comigo.
A minha ideia era brincar com ele, não me tinha passado pela cabeça que estava a perturbar o seu dia, já de si em cativeiro, já de si com mirones e interferências constantes. Nunca mais quis alimentar os animais do Jardim Zoológico ou atirar-lhes dinheiro. A mensagem daquele símio para mim foi bastante clara: "Deixem-me em paz". E eu, desde aquele dia, passei a não gostar de ver animais em cativeiro. E percebi que não temos o direito de aborrecer, mais do que já estão, estes animais.