Obstinação e má consciência

O mecanismo que o Presidente da República promulgou constituirá um verdadeiro aspirador com o qual o Governo pretende sorver os 2393 dias por recuperar, reduzindo-os a pó.

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Por falta de vontade e obstinação, o Governo recusa recuperar 2393 dias de serviço (seis anos, seis meses e 23 dias) cumpridos pelos professores em período de congelamento; por má consciência vai aprovando diplomas para atenuar a contestação, só que passando ao lado do essencial: restituir o seu a seu dono, i.e., o tempo de serviço a quem o cumpriu.

Primeiro foi a restituição de uma pequena parcela, medida justificada por uma alegada, mas falsa, equidade em relação aos demais trabalhadores; agora é um mecanismo a que o ministro chama acelerador, mas reconhece que não permitirá mais do que aspirar chegar a um dos três últimos escalões da carreira. Para além dessa aspiração, o mecanismo que o Presidente da República promulgou constituirá um verdadeiro aspirador com o qual o Governo pretende sorver os 2393 dias por recuperar, reduzindo-os a pó.

A versão agora promulgada, segundo o ministro, só abrange quem tiver cumprido em pleno os 2557 dias de congelamento compreendidos entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017, sendo de realçar que, desses, o Governo pretende extorquir 2393 (93,6%).

O diploma que entusiasma o ministro não recupera um único dos 2393 dias; não elimina as vagas para os 5.º e 7.º escalões; não revoga as perversas quotas na avaliação; gera novas e fortes assimetrias; mantém a discriminação do continente em relação às regiões autónomas e também dos docentes em relação à generalidade da administração pública.

Exemplifica o ministro com a docente que perdeu três anos à espera de vaga e agora os recuperará, mas omite que bastaria, num dos 2557 dias de congelamento, alguém ter tido uma hora letiva a menos para ser excluído do diploma e passar a ter mais três anos de serviço perdidos do que a professora que o ministro conhece (grave assimetria). Mesmo essa será penalizada em um ano em relação a quem não teve de aguardar vaga e esteja para além do 6.º escalão (nova assimetria). Quem beneficiar da redução de um ano, ainda assim, continuará a perder, na íntegra, os seis anos, seis meses e 23 dias, pelo que toda e qualquer antecipação de progressão será para dois ou três escalões abaixo do adequado enquadramento na carreira. Isso repercute-se, agora, no salário e mais tarde no valor da pensão de aposentação, que será fortemente penalizada.

Os professores aspirarão chegar a um dos três escalões de topo, segundo o ministro, o que significa que a carreira não será igual para todos: uns chegarão ao 10.º, outros ao 9.º, alguns ao 8.º e muitos limitar-se-ão a sonhar ir além do 7.º. Confirma-se que o impacto da carreira, hoje, nos professores, é semelhante ao de estruturas que, com luta, os professores revogaram.

Pode o ministro afirmar que 65.000 professores irão progredir, como se as progressões estivessem de novo congeladas e o “aspirador” criasse uma situação de exceção. Não é assim! O novo diploma é apenas mais uma afirmação da má consciência de governantes que tentam, através de artifícios, fazer esquecer o essencial.

É importante que quem esteve parado nas vagas veja esse tempo eliminado? Sim, mas é importante para todos. É importante a redução de um ano de permanência num escalão? Sim, mas é importante para todos. É importante recuperar o tempo de serviço cumprido, mas não contado? Sim, mas, neste caso, nem um só dia é recuperado seja a quem for.

Não estamos perante um problema financeiro. Os professores admitem uma recuperação sustentada por faseamento e a massa salarial global, crescendo no imediato, rapidamente se reduzirá com a saída, de agora até final da década, de mais de 30.000 docentes, os mais antigos, para a aposentação. Também não há um problema de equidade, pois na generalidade da administração pública o tempo de serviço, convertido em pontos, já foi recuperado, em alguns casos com justa bonificação.

O que há é falta de vontade política e forte obstinação de governantes em relação a esta matéria, principais obstáculos para que se negoceie um mecanismo que permita a justa recuperação dos 2393 dias de serviço cumprido. Depois, é a má consciência a ditar a aprovação de diplomas legais que, no entanto, não resolvem o problema, não permitindo baixar o nível da justa contestação.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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