A magia da compostagem: “Conseguimos converter o que, à partida, seria um desperdício”
Na família de João Silva, no Porto, a prática da compostagem doméstica transforma resíduos orgânicos em adubo, nutrindo a consciência ambiental dos filhos para um futuro mais sustentável.
Numa moradia no coração do Porto, uma família descobriu a capacidade de transformar cascas de frutas e legumes, outrora destinadas ao lixo, num precioso aliado à nutrição do jardim. Na horta sobressaem os tons e cheiro do tomate, abóboras e ervas frescas. Há mais de uma década que João Silva, engenheiro de software de 42 anos, faz compostagem doméstica: separa os resíduos orgânicos, pondo-os num contentor para o tratamento adequado. Com o nascimento dos filhos encontrou também a inspiração para semear nas suas crianças uma maior preocupação com o seu impacto no planeta.
Ao entrar na casa da família, somos recebidos com saltos pela cadela Panda. Companheira das crianças nesta jornada sustentável, corre com alegria pela relva, mas, quando João começa a explicar os processos para realizar a compostagem, aquieta-se e parece até ouvir com atenção. É quando chegamos às traseiras que se revela o cenário que faz lembrar uma pequena floresta no meio da cidade.
Entre os vegetais plantados, os brinquedos de Mariana e Simão (de três e seis anos, respectivamente), e a casa da galinha Vinha, baptizada assim pelos dois, é no pequeno contentor discretamente localizado num canto que a magia da compostagem acontece. Para João Silva, foram dois os principais motivos que o levaram a adoptar à prática: “Primeiro porque conseguimos converter o que, à partida, seria um desperdício num composto que nos ajudará a adubar as terras e dar mais nutrição às plantas gratuitamente. E também é uma quantidade de lixo muito menor que produzimos.”
Tratar os resíduos para cultivar os frutos
Enquanto João mostra o adubo obtido em cerca de seis meses, a doce voz da pequena Mariana ressoa, chamando a atenção para as minhocas e pequenos insectos que habitam o contentor. A filha mais nova mostra-se activamente envolvida nas actividades no jardim. “A participação das crianças é essencial. O nosso objectivo era ter um quintal e cultivar para termos a experiência de comer”, diz João Silva. Embora ainda não produzam quantidade suficiente para suprir as necessidades da família de quatro pessoas, o engenheiro afirma que a oportunidade de ver os frutos crescerem e depois consumi-los já faz tudo valer a pena.
Para realizar a compostagem doméstica, João Silva refere que o processo é muito simples. “A ideia é tentar colocar as peças o mais desfeitas possível. Após deitar as cascas, borra de café e mesmo frutas podres, convém colocar umas folhas secas para ajudar também a absorver e não haver tantos bichos. Os bichos- de-conta, minhocas e outros pequenos seres vivos vão tomar conta para desfazer os resíduos e transformar tudo em composto.”
O que esta família faz com o seu lixo orgânico era antigamente muito comum nas zonas rurais, onde os restos da cozinha adubariam mais tarde os campos. Mas o hábito perdeu-se e, agora, tenta-se voltar as velhas práticas, levando-as também para as cidades, onde toneladas de desperdícios orgânicos enchem os baldes de lixo.
O ambientalista da Associação Zero Rui Berkemeier explica que existem duas abordagens principais para o tratamento deste tipo de resíduos. Uma delas envolve a recolha de matéria orgânica nos contentores castanhos ou por meio de recolha porta a porta, como já acontece em alguns municípios, encaminhando-a para estações de tratamento especializadas. Outra é a compostagem, que pode ser comunitária ou doméstica. Em vários municípios portugueses, são distribuídos contentores de compostagem e é dada formação para saber como utilizar o contentor, assim como cuidados a ter.
Além dos benefícios económicos, como a redução das taxas de recolha e tratamento de resíduos suportadas pelas autarquias, Rui Berkemeier destaca as importantes implicações ambientais da compostagem doméstica, uma vez que os resíduos orgânicos deixam de ser depositados no lixo indiferenciado.
Segundo um relatório divulgado em 2021 pela Associação Portuguesa do Ambiente (APA), cerca de 31% dos resíduos urbanos em Portugal continental vão para aterros sanitários, e 45,48% dos resíduos orgânicos ainda vão para o lixo indiferenciado.
O ambientalista da Zero salienta que, “uma vez que os biorresíduos são depositados em aterros sanitários, transformam-se em gás metano”. “Uma fracção desse gás é libertada na atmosfera, e a sua dispersão provoca um efeito de estufa 21 vezes mais potente do que o dióxido de carbono, contribuindo para alterações climáticas e o aquecimento global.” Além disso, Rui Berkemeier destaca o desconforto causado pelo odor resultante da decomposição dos resíduos, o qual pode acarretar sérios problemas para as comunidades locais.
Também parece ser evidente a importância da educação ambiental na promoção de novas práticas. O compromisso da família de João Silva e Rita Ribeiro com a compostagem não nutre apenas o solo, mas também influencia o modo como encaram o consumo e o desperdício. “Quero ter a certeza de que os nossos filhos vão fazer sempre a separação do lixo e compostagem.” No seu colo, Mariana confirma as frases do pai com um sorriso e aceno de cabeça.
No final de contas, a compostagem doméstica transcende a mera conversão de resíduos em composto. É uma jornada de mudança de mentalidade, em que cada pequena acção, como aquelas no jardim da família de João, vai além de enriquecer apenas as plantas, alimentando o conhecimento e a consciência ambiental das gerações futuras.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva