O Douro merece melhor

O documento assinado por 26 personalidades ligadas à Região Demarcada do Douro sofre de grave lacuna. Os seus subscritores não respondem a uma simples pergunta: o que se vai seguir?

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Um conjunto de 26 personalidades ligadas à Região Demarcada do Douro, desde personalidades ligadas a empresas de vinho do Porto, líderes associativos, presidentes de instituições da região, como o Museu do Douro ou da Liga dos Amigos do Douro, enólogos, produtores, proprietários de quintas, académicos e autarcas, etc., assinaram uma carta aberta, com o título “O Douro Merece Melhor”, publicada no dia 12 julho em vários jornais nacionais.

A carta introduz a região e os seus pontos fortes (e.g. “Contém mais de metade das vinhas de montanha à escala global”), fala sobre as vendas dos últimos 20 anos, que, em quantidade, nos vinhos do Porto desceram 25% em caixas de 9 litros para 7,8 milhões e nos vinhos DOC Douro subiram para 5,2 milhões de caixas.

A culpa, segundo este conjunto de personalidades, é do quadro regulamentar: “…não teve qualquer alteração, permanecendo, na sua essência, imutável há quase 100 anos. O sistema atual está a promover distorções devastadoras que estão a impactar não só no preço das uvas, mas também na sustentabilidade socioeconómica dos viticultores, das empresas, e no futuro dos seus vinhos nos mercados internacionais”, lê-se no documento.

O abaixo assinado defende que as uvas para os vinhos DOC Douro tenham uma limitação legal de classificação semelhante às uvas para vinho do Porto: “Este limite é ajustado anualmente, dependendo de um conjunto de fatores, nomeadamente, a qualidade e os níveis de oferta e de procura. Um sistema semelhante é praticado nas mais importantes regiões vitivinícolas europeias”, sendo livre o mercado das uvas para os vinhos DOC Douro.

Eu já vi este filme algumas vezes nos meus 36 anos de agrónomo. A última foi na fileira do leite de vaca, com o desaparecimento a prazo das quotas leiteiras. Só quem não quis saber é que não soube.

O mesmo se passa há alguns anos com o vinho do Porto. À medida que o tempo passa, a procura do mercado vai cair porque vai no sentido de vinhos pouco alcoólicos, o que não é o caso.

Ninguém faz nada porque os pequenos e médios viticultores/lavradores que predominam no Douro não têm massa critica para abordar o problema. Aos outros dá jeito deixar andar. Uns por inércia típica do português médio, outros porque no “fim de todos estes anos ganharam com a compra de uvas abaixo do custo de produção”, “o célebre preço de mercado”.

As entidades públicas “têm lavado as mãos como Pilatos”, e.g. Instituto dos Vinhos do Porto e Douro (IVDP), não defendem o interesse público como é seu dever como representantes do poder do Estado.

Os signatários da missiva pública dizem que “ao longo dos últimos 15 anos, vários estudos realizados por entidades de renome, incluindo a UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), concluíram que o Douro não é sustentável nestas circunstâncias e que necessita de reforma no seu quadro regulamentar. Mas nada foi feito, apesar das promessas do Estado”. Cúmulo do cinismo, alguns destes estudos foram encomendados e pagos pelo IVDP.

O documento sofre de grave lacuna. Os seus subscritores não respondem a uma simples pergunta: o que se vai seguir? Falta clareza sobre qual o próximo passo deste processo para ser eficaz.

Os signatários propõem na carta “uma estratégia para o futuro construída numa base científica liderada por uma entidade independente, em consulta com os stakeholders chave da região”, e apelam “aos produtores, aos viticultores, aos comerciantes e respetivas Associações, ao Ministério da Agricultura, à CIM do Douro, e ao Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, para enfrentarem esta situação com urgência”.

Num coro emocional, afirmam “sentir orgulho no Douro, na sua gente e nos seus vinhos, mas atualmente não conseguimos senão sentir frustração e tristeza pelos danos graves e desnecessários que a inércia na alteração do quadro regulamentar e institucional está a provocar”.

Deixo aqui a minha proposta de um caminho alternativo, tendo como objetivo conseguir em cinco anos a sustentabilidade da vitivinicultura na Região Demarcada do Douro. 1) Elaboração de um documento base para cada elo da fileira, contendo um diagnóstico e a evolução das condições de produção, dos mercados e da envolvente; 2) Promoção de fóruns de debate; 3) Elaboração de uma proposta com objetivos e eixos estratégicos; 4) Elaboração de documento final.

O processo tem que ser claro nos objetivos, garantindo a participação de todos, em paralelo com a elaboração do documento de Plano Estratégico de Sustentabilidade Vitivinícola para a Região Demarcada do Douro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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