Juros e inflação: o segredo para a felicidade é baixar as expectativas

As pessoas antecipam aumento de preços e pressiona pelo aumento dos salários. Os gestores, que sabem que conseguem subir os preços, não são tão rigorosos ao negociar com trabalhadores e fornecedores.

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Quando Mário Centeno anunciou que as taxas de juro começariam a diminuir a partir de setembro, esqueceu-se de anunciar um detalhe igualmente importante: o mercado espera uma redução muito gradual, de tal forma que as taxas de juro previstas para daqui a dois anos (junho de 2025) estejam praticamente no mesmo nível das que estavam em abril de 2023. Ou seja, apesar do máximo esperado em setembro, o mercado acredita que as taxas de juro permanecerão praticamente estáveis durante, pelo menos, mais dois anos.

Este sentimento baseia-se no aviso da governadora do Banco Central Europeu de que vai manter as taxas de juro em “níveis suficientemente restritivos durante o tempo que for necessário”. Isto significa que Christine Lagarde pretende restringir a economia através das taxas de juro para vergar a inflação até ao objetivo dos 2% e garantir que a inflação fica totalmente domada. Portanto, para começarmos a imaginar um mundo com taxas de juro mais baixas, a inflação terá de se aproximar consistentemente dos 2%.

Mas a inflação na Zona Euro já não está em queda a aproximar-se dos 2%? Por exemplo, os dados mais recentes indicam que a inflação em Espanha está nos 1,6%. Citando o comentador Sebastião Bugalho, como é que Christine Lagarde pode defender um aumento nas taxas de juros em setembro com a inflação nesta trajetória? Para explicar esta aparente contradição, temos de perceber a natureza obstinada e astuta da inflação. Assim como uma erva daninha que surge quando o solo está minimamente fértil, a inflação alimenta-se de tudo para sobreviver. E o que nós sentimos é que a sua dieta se transformou a partir de certa altura.

No início, as disrupções da pandemia acordaram o apetite da inflação, que se tornou voraz com a guerra na Ucrânia. O aumento significativo dos custos de produção, especialmente nos preços da energia e dos produtos agrícolas, foi passado para os preços dos produtos finais. Consequentemente, os principais fatores que explicavam a inflação em 2022 eram os preços da energia e dos produtos agrícolas. Mas ultimamente vemos que a inflação já não vem destes preços. Se excluirmos estes preços da medição da inflação, obtemos a medida da inflação subjacente que, retomando o exemplo espanhol, está nos 5,9%! Ou seja, o que inicialmente era atribuído aos preços da energia e dos bens agrícolas, agora se deve a outros fatores mais enraizados na economia.

No entanto, sabemos que a força motriz desta inflação subjacente são principalmente as expectativas: os preços sobem porque as pessoas esperam que os preços continuem a subir. À medida que as pessoas antecipam mais aumentos de preços, exercem mais pressão para que os seus salários sejam compensados. Como os gestores sabem que conseguem subir os seus preços, não são tão rigorosos nas negociações com os seus trabalhadores nem com os seus fornecedores. Esta espiral torna a inflação autossustentada e mais difícil de debelar.

É neste ponto que entra o discurso austero de Christine Lagarde. Com um discurso forte e inflexível, Lagarde quer transmitir a mensagem de que só descansará quando a inflação (subjacente) se aproximar dos 2%. Lagarde, assim, espera que as pessoas percebam que, mais tarde ou mais cedo, a inflação tem que convergir para os 2%, baixando as suas expectativas de inflação e travando a espiral inflacionista. O segredo para taxas de juro baixas está, portanto, em baixar as expectativas de inflação.

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