Para recordar: o nosso sistema de governo não é presidencialista

Também não gosto de João Galamba, também não sou socialista, também acho que João Galamba não deveria ser ministro. Mas não posso esquecer que o nosso sistema de governo não é presidencialista.

Quem ouvir e ler os mais variados comentadores sobre o caso Galamba sem saber qual é o nosso sistema de governo por certo entenderá que a nossa sociedade é regida pelo presidencialismo, em que o chefe de Estado é simultaneamente chefe do governo.

Insistentemente, a ideia que grande parte dos nossos “declamadores” políticos parecem querer passar é que o pensamento e a opinião política de Marcelo, no que concerne à exoneração de membros do Governo, deve ser encarado como uma ordem. A não ser assim, o tema é tratado como uma afronta à Presidência da República.

O nosso sistema de governo, com todos os aspectos negativos que possa ter, é baseado no regime semipresidencialista. Das suas variadas características, a escolha dos membros que integram o executivo é uma função do chefe de governo nomeado.

No regime presidencialista, o chefe de governo é simultaneamente o chefe de Estado, e é sobre ele que recai o poder tanto de escolha como de exoneração dos seus ministros. O Brasil é um exemplo de sistema de governo presidencialista.

No sistema vigente em Portugal, compete então ao chefe do governo decidir quem faz parte do executivo, assim como quem pode deixar de fazer, muito embora a decisão da escolha tenha de ser homologada pelo chefe de Estado. Também assim é em qualquer exoneração.

Isto significa, na nossa realidade jurídico/constitucional, que todos os elementos do Governo são admitidos em funções por proposta de António Costa, que posteriormente são nomeados por Marcelo Rebelo de Sousa que lhes dá posse e o mesmo se passa para a exoneração. O Presidente da República só poderá exonerar qualquer elemento do Governo quando receba uma proposta para o efeito do primeiro-ministro.

No fundo, os ministros e estes só respondem directamente perante o primeiro-ministro. O papel do Presidente exerce-se através da magistratura de influência, podendo assim influenciar algumas decisões.

É isto que a nota da Presidência faz notar, quando nela se lê a discórdia face à posição de António Costa sobre a permanência de João Galamba no Governo. É a mera opinião política de Marcelo sobre o tema, que nada mais é que o exercício pleno e claro do seu papel dentro do quadro das suas competências constitucionais.

Se uns têm o poder de decisão, outros terão o poder de influenciar essa mesma decisão. Quer se goste ou não, o sistema de governo que temos é este.

António Costa tomou boa nota, mas decidiu no sentido contrário ao do pensamento político do Presidente.

O que muitos entendem hoje é que, com a decisão tomada por António Costa, está já instalada uma guerra aberta, entre Belém e São Bento, mas poucos explicam que tudo isto é a mais pura democracia a funcionar.

Parece existir um enorme drama de cada vez que o Presidente da República não concorda com o primeiro-ministro e vice-versa e o manifestam publicamente.

Façamos um exercício contrário.

Caso António Costa tomasse a decisão de aceitar a teatral demissão de João Galamba, por certo e rapidamente se perguntaria quem, afinal, nos governaria, apontado ao primeiro-ministro uma total fraqueza política, por entregar assim o poder a Marcelo, demitindo-se das suas funções de líder do executivo.

Costa quis provar, para além de outras tácticas políticas, que a iniciativa de exonerar ministros é exclusivamente seu.

Se muita tinta correu sobre este assunto, gastou-se muito pouca em explicar às pessoas, o que seria honestamente desejável, que a razão de tudo isto ser assim, criando-se a ideia errada de que era obrigatório demitir Galamba só porque Marcelo assim o desejava.

Também eu não gosto de João Galamba, também eu não sou socialista, também eu tenho opinião sobre o assunto e também acho que João Galamba não deveria ser ministro. Mas não posso esquecer que, para o mal ou para o bem, o nosso sistema de governo não é presidencialista e, parecendo que não, isto faz alguma diferença.

O teatro e a encenação deixo aos entendidos em ciência e táctica política.

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