O mundo da tecnologia está em constante evolução e com a chegada da pandemia da covid-19 o sistema de ensino viu-se obrigado a adaptar os seus métodos a uma nova e desafiante realidade, migrando as salas de aulas para plataformas online. Esta passagem temporária para o digital veio levantar um conjunto de novas questões e evidenciar realidades sociais e económicas dos estudantes portugueses nos diferentes níveis de ensino.
Foi com esta realidade em mente que decorreu nesta terça-feira, 11 de Abril, no Pólo Zero, um espaço da Federação Académica do Porto (FAP), o debate “O papel da educação digital na inclusão”, moderado por David Pontes, director-adjunto do PÚBLICO, e com um painel de oradores constituído por Rui Pacheco, director da Escola Virtual, António José Paiva, professor do Agrupamento de Escolas do Freixo, Ana Gabriela Cabilhas, presidente da FAP, e Sílvia Couvaneiro, professora universitária e investigadora.
A realidade que chegou com a pandemia
Num primeiro momento do debate, António José Paiva começou por afirmar que “o problema das infra-estruturas tecnológicas tem sido um grande impedimento para uma digitalização do ensino mais eficaz”. O professor do Freixo acredita que esta evolução, apesar de todos os entraves, “está num bom caminho”, e dá como exemplo a sua escola, que está integrada no Microsoft Showcase School, um programa que “cria experiências imersivas e inclusivas centradas no aluno” e fornece à escola o acesso as todas as ferramentas da empresa, aspecto que foi decisivo na altura da pandemia.
Neste contexto, Rui Pacheco falou sobre a desmaterialização integral, que no fundo está acontecer um pouco por todo o país, sendo que já existem escolas que aos poucos “estão a abandonar os manuais de papel” e a progredir para a versão digital. Para o director da Escola Virtual, “é possível continuar a fazer tudo igual, mas com moldes diferentes”, que é o papel da Escola Virtual, fornecer meios digitais a alunos e professores. Ainda assim, o responsável acrescentou que “no universo das escolas portuguesas, as coisas são cada vez mais desiguais”, aspecto que se acentuou com a pandemia.
Também Sílvia Couvaneiro reconhece que “estas ferramentas permitem que os alunos tenham acesso a recursos para a aprendizagem” que fazem a diferença, aspecto que ficou ainda mais evidente durante a pandemia uma vez que “sem o digital, os alunos não iam conseguir ter aulas”. Ana Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto, recordou o número de pedidos de ajuda que a FAP recebeu, durante a pandemia, de estudantes que não tinham acesso a um computador ou à internet, o que revelou que o sistema de ensino não estava verdadeiramente preparado para uma migração para o digital.
Ensino vs. vida real
Ana Gabriela Cabilhas afirmou que quando os alunos chegam ao ensino superior, e ainda mais durante a pandemia, “há um defraudar de expectativas porque pertencem a uma geração mais digital” e o ensino superior, na maioria dos casos, não demonstra estar preparado nem acompanha a evolução tecnológica.
Um dos problemas do ensino actual em Portugal, defendeu, é a diferença que existe entre o sistema de ensino e a vida real. É importante que “estudantes do século XXI” trabalhem com métodos de ensino e ferramentas actuais e que os professores “que ainda ensinam da mesma forma que aprenderam” consigam acompanhar esta evolução, afirmou.
“É preciso concretizar com acções, apoios sociais, formações do corpo docente e pôr em prática medidas que permitam conciliar uma sala de aula física com uma virtual e aproveitar o potencial máximo que estas ferramentas têm para oferecer” acrescentou Ana Gabriela Cabilhas, colhendo o apoio dos restantes oradores.
António José Paiva, que terminou os estudos há quase três décadas, admitiu que nos seus tempos de estudante já tinha as mesmas queixas e reivindicações que a federação académica apresenta nos dias de hoje, e concordou que “existe uma diferença enorme entre o ensino e a realidade”.
Os “nativos digitais”
No final da conversa, a presidente da FAP utilizou o termo “nativos digitais” para descrever os jovens da actualidade, expressão que criou alguma discussão no painel de oradores.
Rui Pacheco diz que “não se pode cair no erro de assumir que todos os alunos são nativos digitais”, uma vez que, na sua perspectiva, um aluno que nunca tenha usado uma plataforma digital, como a Escola Virtual, não o consegue fazer sozinho e “é necessário que os alunos sejam formados para utilizar estas ferramentas”.
A investigadora Sílvia Couvaneiro apresentou uma opinião semelhante, afirmando que “dizer que todos os alunos são nativos digitais não é muito correcto”, já que existem estudantes que não são muito adeptos do digital.
Para António José Paiva, a linguagem digital é inclusiva, não os alunos, que apesar de serem utilizadores desta tecnologia e de se adaptarem com mais facilidade, continuam a precisar de formação para “trabalharem a literacia digital”.
Ana Gabriela Cabilhas acabaria por precisar que utilizou o termo “nativos digitais” para se referir aos jovens estudantes como pessoas que já nasceram na era digital, reforçando a ideia de que encontra na academia “uma barreira entre o mundo real e a digitalização no ensino”.
Sobre a inclusão, o tema em destaque no debate, Sílvia Couvaneiro partilhou com a plateia uma história que aconteceu numa das formações que participou e conta que uma das oradoras, que é invisual, editou vídeos e produziu uma banda sonora para um trabalho, mostrando que “a tecnologia e o digital dão a todas as pessoas uma vivência mais inclusiva” e que estes meios se revelam como “ferramentas poderosas para promover a inclusão”.
Houve ainda tempo para se falar de inteligência artificial e o aparecimento de plataformas como o ChatGPT, onde se chegou a uma conclusão unânime entre os oradores: estas ferramentas devem actuar como ponto de partida e auxiliar os estudantes, mas é fundamental que a partir daí cada um desenvolva a sua reflexão e demonstre sentido crítico no desenvolvimento das suas ideias e opiniões.