Com a falência de alguns gigantes do mundo dos activos virtuais (Silvergate Bank, FTX, Terra/Luna, etc) somos confrontados com um deja-vù de um filme que se tornou demasiado familiar. Agora, num mundo que é too cool to fail, chega ao fim a concepção talvez inocente de que o investimento em activos virtuais tendia à sua auto-organização sem necessidade de intervenção regulatória. E os crimes estão aí, mascarados em promessas de investimento fácil, servindo-se perniciosamente da falta de literacia e preparação dos investidores.
Em Portugal, a utilização de activos virtuais tem registado um boom nos últimos anos, impulsionado pela publicidade (enganosa) de que somos um "paraíso fiscal" para os investidores de criptomoedas, pelo aumento da poupança e do tempo livre na pandemia, pelo crescimento do comércio electrónico, pelo interesse dos investidores em diversificar as suas carteiras e pela descrença no mercado bancário e financeiro.
Este boom tem imposto vários desafios, entre os quais, a necessidade de regulamentação mais rigorosa para garantir a segurança das transacções e proteger os investidores, associado a uma falta de compreensão e confiança por parte do público em geral. O que, é preocupante quando as estatísticas nacionais e europeias colocam Portugal como o país com menos conhecimentos financeiros. Seremos mesmo um paraíso?
Iliteracia financeira e tecnológica, ausência de regulação e um “donut” de supervisão são os ingredientes perfeitos para a receita criminosa. Afinal de contas, temos um “novo” método de transaccionar fundos que não utiliza uma instituição central, nem depende de supervisão, e que assenta na privacidade e anonimato dos seus utilizadores. Essas características facilitam transacções sem medidas de controlo adequadas e, consequentemente, possibilitam o uso dos activos virtuais como um instrumento auxiliar da prática de ilícitos criminais.
Afinal sempre somos um paraíso: um paraíso para a actuação criminosa. E a criatividade dos criminosos não é pouca: promessas de enriquecimento (à distância de webinares online gratuitos ou de um grupo de Whatsapp, Signal e Telegram), de fraudes (esquemas ponzi ou de pirâmide, ofertas de trabalho com pagamento em criptomoedas), golpes tecnológicos (phishing, pharming, spyware), branqueamento de capitais (burla informática, utilização de testas de ferro, smurfing, commingling), ataques cibernéticos em exchanges de criptomoedas (como no furto de chaves privadas), compras e vendas “fictícias” (em que comprador e vendedor são a mesma pessoa – wash trading de NFTs).
O problema está que esta diversidade de situações esbarra numa previsão penal que se conduz, invariavelmente, ao crime de burla informática — que não tem elasticidade suficiente para albergar todas estas realidades —, e, de forma acessória, ao crime de branqueamento de capitais. A esse obstáculo junta-se uma enorme dificuldade na investigação que leva à descoberta da identidade e subsequente responsabilização dos agentes criminosos. E, claro está, numa clara limitação da supervisão (por ora) ao âmbito da prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, que pode limitar um combate integrado e amplo ao fenómeno.
Como evitar estas armadilhas?
Deverá, primeiramente, informar-se e compreender conceitos tecnológicos e financeiros, essenciais para ponderar os riscos dos investimentos e dos activos. Assim, desconfie de esquemas de enriquecimento rápido, transferências gratuitas, brindes de criptomoedas e emails suspeitos (ameaças de que está em risco de perder o seu dinheiro, bloqueio ou suspensão da sua conta). Verifique a autenticidade das informações, sites, apps, emails e endereços antes de fazer qualquer transacção. Utilize plataformas e serviços confiáveis. Verifique se o remetente dos emails usa a marca como domínio e se a carteira para a qual transfere fundos é uma "watch wallet". Finalmente, não partilhe as suas chaves privadas e seed phrases e acompanhe de perto as transacções e operações na sua carteira para detectar tempestivamente actividades suspeitas e fraudes.
É necessária uma mudança de paradigma, desmistificando este tipo de investimento como sinónimo de um meio fácil para atingir um enriquecimento rápido e com elevadas taxas de retorno, mas sim como uma alternativa sustentável e de diversificação. Compreendendo as suas características e riscos, compreendendo os conceitos e regras em e do jogo, aceitando a incerteza e risco característicos dos activos virtuais.
É essencial apostar na construção de uma cultura de investimento em activos virtuais através da sedimentação de literacia digital e financeira dos investidores, promovendo acções de formação e alertas a uma utilização segura e responsável das plataformas de activos virtuais, bem como investir na regulamentação destas matérias e na supervisão das entidades envolvidas. Promovendo, também, o amadurecimento do sector que possa beneficiar todos os intervenientes.