Ucrânia: os gestos que faltam

Portugal deveria abrir na União Europeia a discussão sobre o perdão da dívida externa ucraniana ou, pelo menos, sobre a sua renegociação.

O Governo tem estado à altura das exigências e tem tomado as medidas necessárias de apoio à Ucrânia, mas pode (e deve) ir mais longe em três domínios.

Primeiro: deve impedir que a solidariedade com a Ucrânia seja sinónimo de receita para o erário público. Vejamos: uma chamada para linhas telefónicas de solidariedade leva ao pagamento de 23% de IVA e uma transferência de dinheiro para Ucrânia ou para países onde se encontram os refugiados impõe 4% de imposto de selo. Isto subverte o carácter solidário destes donativos. Por isso, tal como sucedeu na sequência das campanhas relativas aos incêndios de 2017, o Governo deveria canalizar integralmente para medidas de apoio à Ucrânia o montante equivalente à receita fiscal gerada por estas campanhas.

Segundo: deveria abrir na União Europeia a discussão sobre o perdão da dívida externa ucraniana ou, pelo menos, sobre a sua renegociação. A Ucrânia vê 12% do seu Orçamento do Estado ser consumido por juros de dívida, valor 3,2% acima da despesa do país com defesa. Só ao FMI são 2,7 biliões de dólares de dívida, valor que daria para pagar 17 milhões de pensões médias na Ucrânia. E a Portugal a dívida ascende a 462 milhões de dólares, o equivalente a quase 17% das despesas da Ucrânia com a saúde.

A Ucrânia é o país mais pobre da Europa, exigir-lhe o pagamento da dívida, ainda para mais num contexto em que enfrenta um rasto de destruição e morte, mais do que imoral, significa ajudar o agressor russo a travar a sua guerra.

Terceiro: deveria o quanto antes assegurar a existência de uma sessão solene na Assembleia da República para receber o Presidente da Ucrânia, tal como já sucedeu, por exemplo, nos EUA, Reino Unido, Canadá, Polónia ou Alemanha... Este gesto diplomático - que já foi proposto no nosso país pelo PAN - não serve para homenagear Zelensky. Assegura, sim, que o nosso país e os seus órgãos de soberania expressam, ao mais alto nível, a sua solidariedade com a Ucrânia e a sua condenação ao belicismo da Rússia de Putin. Permite, sim, manter na agenda o tema da no-fly zone na Ucrânia e dar voz àqueles que resistem em defesa dos valores democráticos e do direito de cada país a escolher o seu próprio destino.

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