Governos regionais e a sobrevivência do multilateralismo climático brasileiro

Diante das lacunas legadas por Brasília, os estados brasileiros, de forma inédita na história ambiental do país, têm-se articulado para driblar a ausência de uma política nacional coesa para o clima.

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Reuters/Ueslei Marcelino

Durante a 76.ª sessão de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, a crise climática foi assunto de destaque. Do púlpito mais laureado da diplomacia, um discurso destoou dos demais: o de Jair Bolsonaro. Desde 2019, o Brasil passou de player internacional para pária nas cimeiras. Os principais fundos federais para financiar o combate ao desmatamento (um dos principais factores de emissão de poluentes do Brasil) vêm sendo paulatinamente desmantelados pelo actual governo. A despeito do significativo enfraquecimento das políticas públicas climáticas pelo governo central, indagamos: como o Brasil, enquanto federação, poderá resistir ao depauperamento dessas políticas?

A participação activa de lideranças locais em questões climáticas não é novidade. Nos EUA, paralelamente às políticas nacionais, diversos estados federados adoptaram medidas ambientais autónomas, como a Iniciativa Regional de Gases de Efeito Estufa (RGGI) ou, ainda, a Aliança Climática dos Estados Unidos, formada por governadores que representam mais de 55% da população do país. Tais fóruns e alianças apontam para um maior protagonismo de entes subnacionais nos processos de tomada de decisão no combate às mudanças climáticas. De acordo com o professor Hideaki Shiroyama, a existência desses espaços de discussão e acção subnacionais indicam uma resiliência do sistema multilateral e cooperativo, não mais estritamente limitado à agenda dos Estados nacionais. O estado da Califórnia, conhecido pela progressiva agenda ambiental, foi protagonista de um confronto travado com o governo do ex-presidente Donald Trump, quanto às suas leis ambientais. A disputa pelas restrições de emissões de carbono por veículos automotores, mais rígidas na legislação californiana, culminou na retirada da competência legislativa do estado para determinados temas, evidenciando os limites impostos aos governos locais que não gozam do apoio de suas lideranças nacionais.

No Brasil, o modelo de pacto federativo forte para tratar de crises sistémicas, como a climática, é uma determinação constitucional que garante maior autonomia de acção aos estados brasileiros, o que não implica, porém, a escusa de acção do governo central. Entretanto, diante das lacunas legadas por Brasília, os estados brasileiros, de forma inédita na história ambiental do país, têm-se articulado para driblar a ausência de uma política nacional coesa para o clima. É o que, de resto, se observou em Agosto deste ano, quando o Fórum de Governadores apoiou a criação de um consórcio (até aqui intitulado “Brasil Verde”) para ampliar o diálogo dos estados com governos e empresas estrangeiras, com o objectivo de obter apoio e recursos para projectos de enfrentamento à crise.

Após o envio de uma carta à Casa Branca, o líder da iniciativa, Renato Casagrande, reuniu-se com John Kerry, o encarregado de Joe Biden para o clima, para tratar do financiamento de projectos para o consórcio. Com isso, os governos locais apontam para adopção de um discurso abertamente distinto ao do governo central na agenda climática, direccionando esforços para que, apesar dele, o Brasil permaneça atento ao cumprimento das suas metas acordadas em Paris. Em última análise, entes subnacionais fortalecidos contribuem para um multilateralismo também mais robusto, fazendo frente aos eventuais reveses que governos centrais possam deflagrar sobre o alcance das metas climáticas.

(*) Este artigo de opinião foi desenvolvido pelo “Grupo de Trabalho Direito Internacional do Ambiente: natural, cultural e urbano”, como parte do esforço do Observatório Brasileiro de Direito Internacional Público e Privado - OBRADIPP.

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