A covid e o “baby boom

Talvez esta crise possa ser uma oportunidade para repensar políticas que procurem criar condições para que os cidadãos não só tenham mais filhos, como também tenham possibilidade de os criar e educar.

Na história da humanidade registaram-se várias epidemias que assolaram o planeta, mas a da covid-19 é diferente pela reacção comportamental da população, que, com o fito de diminuir o risco de exposição e contágio, se confinou ao isolamento social.

Este confinamento, apesar de necessário, tem consequências perversas do ponto de visto social e da saúde mental. De facto, neste interregno, exacerbou-se a solidão de quem já estava isolado e alteraram-se dinâmicas familiares há muito estabelecidas. Se ainda é cedo para dissertarmos acerca das mudanças que esta experiência provocará, podemos, não obstante, sugerir já certas hipóteses baseadas nas evidências históricas. Uma das questões que se pode colocar é se, como consequência do confinamento social, em Portugal, podemos esperar um aumento da taxa de natalidade.

O vírus que assolou a China e, agora, os países europeus, tem forçado os portugueses a conviver num ambiente circunscrito aos familiares directos, tem reafirmando a proximidade entre casais e, sobretudo, tem obrigado a população a ficar em casa. Mas tal facto terá um impacto positivo ou negativo nas relações familiares?

Estudos apontam que, quando a população de um determinado país é obrigada a confinar-se em casa, a taxa de natalidade tende a aumentar. Veja-se o exemplo dos Estados Unidos da América, que registam aumentos consideráveis da taxa de natalidade nos momentos de catástrofes naturais, onde a população americana é obrigada a ficar em casa.

Paralelamente a este estudo, e seguindo as tónicas da história, verificamos que no fim da Segunda Guerra Mundial ocorreu um súbito aumento da taxa de natalidade. A euforia do pós-guerra e a estabilidade económica deram origem, naquela altura, a um fenómeno que ficou conhecido por “baby boom”.

Poderemos, então, esperar tal cenário no fim desta pandemia? Embora a relação entre isolamento social e aumento da taxa de natalidade ainda esteja por apurar, a verdade é que o surgimento desta questão espelha uma preocupação inegável em torno da taxa de natalidade. Portugal, comparado com os restantes países europeus, apresenta uma taxa de natalidade menor e, consequentemente, é um dos países com piores classificações no ranking dos nascimentos.  As consequências da baixa taxa de natalidade que registamos são evidentes, entre as quais se destacam o envelhecimento da população e a dificuldades na renovação de gerações, que colocam em causa o sistema de segurança social, o mercado de trabalho, as relações intergeracionais, o planeamento e gestão das cidades, o ambiente, entre muitos outros.

E se, por um lado, este período generalizado de contenção e de confinamento social pode contribuir para o aumento da taxa de natalidade, por outro lado, a instabilidade das políticas de natalidade adotadas ao longo dos anos fará repensar e retrair a população quanto à possibilidade de terem (mais) filhos. As medidas para fomentar o aumento da taxa de natalidade, para além de escassas, têm pouco impacto na sociedade. Muito se promete, mas nada em concreto se faz. Note-se que, recentemente, a Assembleia da República perdeu uma excelente oportunidade de melhorar as políticas de protecção na parentalidade, uma vez que, misteriosamente, o texto de substituição decorrente do projecto de lei onde se proclamava que a licença de parentalidade iria ser aumentada para 365 dias nada, ou quase nada, mudou.

Defendemos que, talvez, esta crise possa ser uma oportunidade para repensar políticas que procurem criar condições para que os cidadãos não só tenham mais filhos, como também tenham possibilidade de os criar e educar, como, por exemplo, através do alargamento da licença de parentalidade, à semelhança do que sucede nos países nórdicos, pois só assim a natalidade crescerá de modo sustentado em Portugal, estejamos ou não em tempos de pandemia.

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