Crianças: Há limites para a doçura da Páscoa?

Por estes dias em que padrinhos, avós e tios fazem das mãos das crianças ninhos de ovos de chocolate cabe aos pais travar os excessos. Sem radicalismos, para não correrem o risco de criarem inimigos de estilos de vida saudável.

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O negócio deste produto, só no período pascal, vale, aliás, cerca de 40 milhões de euros em Portugal. E é fácil deixar os mais novos cair no exagero alimentar, nestes dias em que avós, tios, padrinhos e madrinhas fazem das mãos das crianças um ninho para ovos de chocolate, amêndoas e outros doces. Os pais, quando não concorrem para esta tendência, devem impor limites? Os especialistas contactados pelo PÚBLICO parecem concordar que sim, mas também admitem que a Páscoa pode ser uma excepção.

A Páscoa faz-se anunciar com semanas de antecedência, através das montras que se enchem de amêndoas e ovos de chocolate com embrulhos apelativos e recheados de brindes e brinquedos que fascinam os mais pequenos (e alguns adultos). Mantendo a tradição, os padrinhos, tios e avós oferecem às crianças os mais conhecidos e apreciados doces da Páscoa. Por bem querer e por bem saber.

“Sem pôr em risco a saúde, não façamos da vida uma imposição de regras tão grande que… acabaremos por morrer de tédio”, comenta o pediatra Mário Cordeiro que admite ser confrontado com as dúvidas de pais sobre estas questões. Os pais, conta o médico, querem saber “se hão-de ser muito rigorosos ou se ‘tanto faz’”. E Mário Cordeiro responde que “nem uma coisa nem outra, até porque eles, pais, também comem chocolates, doces, cabrito, amêndoas, folares, enfim…” Posto isto, o pediatra opta por não prescrever nada de muito radical. Defende que “o bom senso deve imperar” e que os limites a estabelecer devem dizer mais respeito ao número de dias de “transgressão” do que propriamente ao número de chocolates que se pode ingerir. “Reservar dois dias para a ‘grande festa’ creio que limitará os potenciais efeitos deletérios”, afirma Mário Cordeiro, alertando: “Não se podem cortar as tradições em nome da ‘saúde’, a menos que sejam muito perigosas, pois corre-se o risco de arranjar inimigos de estilos de vida saudável”.

Já Ana Faria, nutricionista no Hospital Pediátrico de Coimbra, coloca mais restrições na “excepção à regra da Páscoa”. Sublinhando a importância de ter como base uma alimentação equilibrada, defende que o consumo de chocolate deve ser bastante moderado e que este, preferencialmente, deve ser “ingerido como sobremesa, visto que o teor em fibra da refeição, se esta for equilibrada, regulará a absorção dos açúcares para que não seja tão rápida”. As crianças em idade escolar “não devem ser proibidas de, ocasionalmente, ingerir esses doces”, concede Ana Faria. No entanto, a nutricionista deixa bem claro que “é impensável oferecer chocolates a crianças com menos de dois anos”. “Quanto mais tardiamente se inserirem os chocolates nos hábitos alimentares das crianças melhor”, reforça.

Para compensar os excessos alimentares da Páscoa, Ana Faria sugere que as famílias aproveitem os dias de férias para fazer caminhadas ou andar de bicicleta com os filhos. Há mais dicas. No momento da escolha do ovo de chocolate a oferecer aos mais novos, deve optar-se por um de “chocolate amargo ou meio-amargo, uma vez que estes têm menos açúcar”, explica Ana Faria. Tendo em conta as recomendações da Organização Mundial de Saúde, que sugerem que o consumo de açúcar deve corresponder a 5-10% da ingestão calórica diária, a nutricionista aconselha que, a uma criança em idade escolar, se doseie a quantidade de ovo de chocolate ingerida “ao longo de vários dias, como sobremesa e, preferencialmente, não mais de 20 gramas” por dia, o que corresponde a cerca de 100 kcal. Mesmo considerando que esse chocolate será a única fonte de açúcar de adição, no caso das crianças mais pequenas, entre os dois e os três anos, deve oferecer-se “um pouco menos, uma vez que a ingestão calórica recomendada é inferior”.

Assim, considerando um ovo de Páscoa não recheado de 100g (550 kcal) e um consumo de 20g/dia, espera-se que o ovo de chocolate dure cinco dias. “Pode-se, em alternativa, escolher ovos mais pequenos e comprar para menos dias”, sugere ainda Ana Faria.

Também as amêndoas de Páscoa (que podem ser cobertas com vários tipos de açúcar – branco, amarelo ou em pó – e de chocolate – branco, de leite ou negro) são bastante calóricas, devido ao elevado teor de gordura. Descontados todos os malefícios da cobertura, a amêndoa por si só tem um baixo teor de hidratos de carbono, é rica em fibras e proteínas, fornecendo quantidades significativas de cálcio, ferro e vitamina B1.

Porém, as consequências negativas do consumo de doces por esta altura não têm só a ver com as calorias ingeridas. O médico dentista Nuno Mesquita Marcos confirma que “o consumo excessivo de açúcar favorece o aparecimento de cáries, estando mais do que provado que é um factor primordial”. Nesta altura da Páscoa, constata, “uma criança que passe duas semanas seguidas em casa, sem qualquer tipo de actividade obrigatória” tem mais propensão a ingerir doces. Nuno Mesquita Marcos defende que “é importante que haja um consumo regrado de doces, não só pela saúde oral mas também por causa da obesidade infantil, um dos grandes flagelos da sociedade”.

Outro problema nesta altura do ano, adverte o médico dentista, são os dentes partidos, principalmente entre os adultos. Deve haver um cuidado especial com o consumo de amêndoas, pois uma “mordida” mais brusca pode provocar danos no dente, podendo mesmo parti-lo, avisa.

Mas regressemos ao chocolate. “Delicioso e, ao mesmo tempo, antidepressivo e estimulante de muitas das nossas faculdades. Para algumas pessoas, tão viciante como certas drogas ilegais”, lembra o pediatra Mário Cordeiro. O chocolate é também um negócio. O seu consumo representa cerca de 200 milhões de euros na economia portuguesa. E a Páscoa é um ponto alto deste negócio, reconhecem os responsáveis do sector. Manuel Barata Simões, porta-voz da Associação de Indústrias de Chocolates e Confeitarias (ACHOC), nota que “o consumo de chocolates na Páscoa corresponde a cerca de 20% da quantidade consumida ao longo de um ano inteiro, o que leva a que, só neste período, represente cerca de 40 milhões de euros”. Este ano, Manuel Barata Simões estima até que haja um crescimento do consumo de chocolate na ordem dos 4,5% a 5%, face ao período da Páscoa de 2014.

O responsável da ACHOC adianta ainda que “o consumo anual de chocolate por pessoa ronda os 1,7 kg” em Portugal, números muito inferiores aos apresentados por países europeus como Reino Unido (10/12 kg), Alemanha (9/10 kg) ou França (6kg). Ainda assim, Portugal é um dos países europeus que menos chocolate consomem.

O secretário-geral da ACHOC aponta três explicações principais para a realidade portuguesa: os mitos associados ao chocolate, como o de que é nutricionalmente pobre ou que provoca acne; ser considerado um produto de reconhecimento ou prenda, e não como um produto alimentar; e carga fiscal, com o chocolate a ser submetido à taxa normal de IVA de 23,25%.

Origem das amêndoas
Existem várias teorias acerca da origem das amêndoas cobertas de açúcar, mas a que parece mais sustentável é a de que estas surgiram na Roma Antiga, no século XIII, onde se confeccionavam amêndoas doces feitas com mel. Mais tarde, quando se começou a utilizar o açúcar na produção de doces festivos, servidos em casamentos e festas importantes, surgiram as primeiras amêndoas confeitadas. Esse costume espalhou-se por Itália por volta do século XIX, quando começaram a aparecer as primeiras fábricas modernas de confeito.

Origem dos ovos de chocolate
Os ovos de chocolate da Páscoa são uma tradição milenar relacionada com o Cristianismo, representando a fertilidade e o renascimento da vida. A tradição consistia em colorir um ovo de galinha com cores alegres. Foram necessários mais 800 anos para que, no século XVIII, pasteleiros franceses tivessem a ideia de fazer ovos de chocolate. Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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